50 anos é um aniversário marcante. E é essa a data que a SBS, Special Broadcasting Service, comemora em 2025.
Tudo começou em 1975. Antes de a SBS aparecer na televisão e nas plataformas digitais, ela era uma estação de rádio. No dia 9 de junho de 1975, o então ministro da imigração Al Grassby lançou a Rádio Étnica Austrália, com o objetivo de explicar o novo programa Medibank para os grupos de imigrantes em diferentes idiomas.
As transmissões começaram em sete idiomas em Sydney, na rádio 2EA, e em oito idiomas em Melbourne, na 3EA, com a primeira transmissão em grego.
A SBS, como é conhecida hoje, surgiu apenas dois anos após o país abolir a Lei de Restrição à Imigração, mais conhecida como Política da Austrália Branca.
A historiadora cultural e professora emérita Ien Ang, da Universidade de Western Sydney, é autora do livro The SBS Story, publicado em 2008. Ela afirma que a abolição dessa política foi um momento decisivo para a Austrália.
"Foi no início da década de 1970 que a Política da Austrália Branca foi oficialmente abolida, permitindo que imigrantes viessem para o país independentemente de sua origem racial. Antes disso, havia a suposição de que apenas pessoas brancas poderiam imigrar para a Austrália. Após a abolição dessa política, imigrantes passaram a chegar de todas as partes do mundo, especialmente de países asiáticos, mas também do Oriente Médio e, muito tempo depois, da África, entre outras regiões".
A política remonta à Federação, quando entrou em vigor em 1901. No seu cerne, tratava-se de excluir imigrantes não europeus da Austrália, e levou mais de 70 anos até que a política fosse oficialmente abolida. Isso aconteceu em 1973, quando os últimos vestígios da política foram removidos.
Foi um período de grandes mudanças na Austrália, barreiras raciais de todos os tipos estavam sendo quebradas. E, até então, havia se passado apenas alguns anos desde que os indígenas australianos foram reconhecidos como cidadãos, em um referendo realizado em 1967.
A ativista pelos direitos civis australianos, Faith Bandler, falou ao Canal Sete antes do referendo de 1967: "Não acho que devemos dar como certo que haverá um voto ‘sim’ para os aborígenes. E sinto que chegou a hora de a Austrália não tolerar mais a discriminação legal contra seu povo indígena".
1975 também foi marcado pela maior crise constitucional que já abalou o país. "Podemos dizer ‘Deus salve a Rainha’, porque nada salvará o Governador-Geral", disse o ex-primeiro-ministro Gough Whitlam, cujo governo foi destituído em 1975, o primeiro e único governo australiano a ser removido pelo Governador-Geral.
Um dos legados do governo Whitlam é que foi o primeiro a se referir à Austrália como uma nação multicultural. Na época, a oposição também havia feito discursos sobre multiculturalismo. O governo liberal de Malcolm Fraser, que assumiu o poder em 1975, abriu as portas para refugiados que fugiam da Guerra do Vietnã virem para a Austrália.
Jock Collins, professor de Economia Social na University of Technology por 45 anos, afirma que isso marcou uma mudança cultural no programa australiano de recebimento de refugiados.
"Na época, o governo Fraser foi bastante receptivo aos “boat people” e aos refugiados, em contraste, talvez, com alguns partidos políticos atuais. E esse foi o começo de uma mudança enorme, pois até então, desde 1947, o governo prometia que nove em cada dez imigrantes na Austrália seriam britânicos. Isso não aconteceu. Foi preciso receber refugiados e pessoas deslocadas da Europa Oriental e do Sul da Europa para manter os números".
"Nunca conseguimos atrair tantos britânicos quanto queríamos, mas até aquele momento, praticamente não recebíamos imigrantes asiáticos ou de outras etnias. E claro, em 1975, com os refugiados vietnamitas que chegaram de barco, o país deu um salto rápido. Hoje, os maiores grupos de imigrantes são indianos e chineses, que, até então, eram barrados pela Política da Austrália Branca. Portanto, desde meados dos anos 70, houve uma mudança dramática na história da imigração australiana".
Em 1977, a comunidade vietnamita conquistou seu primeiro programa de rádio na SBS. Os pais de Nicky Chung fugiram da Guerra do Vietnã na década de 1970, fazendo da Austrália seu novo lar. Ela conta que, quando sua família chegou após a guerra, a SBS foi uma fonte vital de informação.
"Posso falar por experiência pessoal, porque nossa família veio para a Austrália em 1979, após a queda de Saigon, e logo que chegamos nos conectamos com a mídia da SBS, muito rapidamente, na verdade. Sei disso por experiência própria: costumávamos assistir ao noticiário todas as noites".
"Quando conversei com meus pais sobre nossa relação com a SBS, eles ressaltaram o quanto era importante ter uma fonte de mídia confiável. Na verdade, quando chegamos, queríamos entender rapidamente a cultura australiana, mas, ao mesmo tempo, ainda queríamos manter conexão com o que acontecia no mundo, inclusive no Vietnã".
Nicky Chung é atualmente CEO da Associação Australiana das Mulheres Vietnamitas. Cinquenta anos após a queda de Saigon, ela conta que seu pai ainda ouve o programa em vietnamita.
"Meu pai diz que ainda faz suas caminhadas matinais e me contou que usa o aplicativo da SBS para ouvir as notícias boas, palavras positivas e informações importantes, para se manter informado sobre o que acontece na Austrália e no resto do mundo".
A década de 1970 também foi um período em que a Austrália começou a questionar a política de assimilação: a ideia de que os imigrantes deveriam se tornar australianos o mais rápido possível, seja lá o que isso significasse. Mas o multiculturalismo não era algo novo na Austrália.
Há cerca de 65 mil anos, os povos aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres vivem aqui, representando mais de 250 grupos linguísticos e tribais. Hoje, o canal NITV da SBS oferece conteúdo indígena para o público australiano.
Historicamente, a professora Ien Ang, afirma que quase toda sociedade teve múltiplas influências culturais, seja pelo comércio, colonização ou outros meios.
"Quando pensamos em sociedades diversas, e no quão bem-sucedidas elas são, não apenas nos tempos recentes, mas historicamente, fica claro que a abertura à diversidade é, de certa forma, um motor importante para influências interculturais muito mais dinâmicas, que acabam se transformando em forças criativas na sociedade".
1975 também marcou a ascensão do regime do Khmer Vermelho no Camboja, sob o comando de Pol Pot. Pelo menos 1,5 milhão de cambojanos morreram de fome, trabalho forçado ou execução durante o regime que ficou conhecido como os “campos da morte”.
Uma reportagem da ABC da época dizia o seguinte: "Os líderes do Khmer Vermelho planejavam transformar o Camboja em uma utopia comunista rural, e não poupariam vidas para isso".
Esse cenário resultou em uma onda de refugiados e imigrantes vindos do Camboja para a Austrália. A primeira grande leva ocorreu no final da década de 1970. Antes disso, muitos cambojanos passaram anos em campos de refugiados em países vizinhos, como a Tailândia, antes de serem realocados para a Austrália.
Para Phiny Ung, 1975 foi um ano marcante, pelos motivos errados. Foi o ano em que ela e sua família foram forçadas a fugir do Camboja para salvar suas vidas.
"Todo ano, para mim, o dia 17 de abril é extremamente significativo. Eu fico apática. Não é que eu tente esquecer, mas evito pensar nisso. Só que está sempre presente. Sei que é o aniversário daquele momento, não importa onde eu esteja, e este ano não é diferente. Tento ficar em silêncio e lembrar daquele tempo... parece que foi ontem, mesmo tendo se passado 50 anos. Foi muito difícil. Lembramos que fomos obrigados a deixar a cidade à força".
Com o crescimento da comunidade cambojana de língua khmer na Austrália, foi lançado o primeiro programa em khmer na SBS Rádio em 1979. Mais ou menos na mesma época, a televisão em cores começava a se popularizar nas casas australianas. E, em 1980, a SBS deu um passo importante ao lançar, pela primeira vez, seu próprio canal de televisão.
A nova emissora de TV passou a oferecer notícias internacionais, documentários e filmes estrangeiros, consolidando seu espaço no cenário da mídia australiana.
Enquanto isso, o país evoluía rapidamente para se tornar a nação multilíngue que conhecemos hoje. Mais imigrantes e refugiados chegaram da Ásia e do Oriente Médio. Em especial, a guerra civil no Líbano, que começou em 1975 e durou 15 anos, contribuiu para o crescimento dessa comunidade na Austrália. O idioma árabe foi incorporado à programação da Rádio SBS, que hoje conta com um canal digital de áudio 24 horas por dia.
Na política, o governo trabalhista de Bob Hawke, eleito em 1983, inaugurou uma nova era nas políticas de imigração e multiculturalismo. Desde então, o multiculturalismo deixou de ser apenas uma filosofia e passou a ser uma realidade na Austrália moderna.
O professor Jock Collins explica: "Acredito que o multiculturalismo teve altos e baixos. Provavelmente atingiu seu auge durante os governos trabalhistas de Hawke e Keating, quando o multiculturalismo foi fortemente defendido por essas lideranças e também pela FECCA, Federação dos Conselhos das Comunidades Étnicas, que na época tinha grande influência nas políticas do governo e atuava ativamente como órgão consultivo. Desde então, alguns governos perderam um pouco do entusiasmo pelo tema. Ainda assim, o multiculturalismo continua sendo uma política oficial no país".
Enquanto isso, a SBS se consolidava como o canal preferido dos fãs de futebol, impulsionada pela criação da Liga Nacional de Futebol em 1977. Até meados da década de 1990, mais idiomas foram incorporados à programação da SBS Rádio, e a internet começou a se tornar popular.
Esse foi o marco do início de uma revolução na forma como as pessoas consomem mídia. Hoje, os telefones celulares se tornaram a principal plataforma para ouvir e assistir conteúdo para a maioria dos australianos. A transição de um serviço comunitário em 1975 para uma potência de streaming digital foi um sucesso para a SBS.
O diretor executivo da SBS, James Taylor, afirma que a SBS também tem o objetivo de oferecer valor para os contribuintes australianos, que financiam parcialmente a emissora.
"Temos o maior volume de conteúdo multilíngue da nossa história, em 60 idiomas. Também estamos sendo reconhecidos em várias outras frentes. Temos uma plataforma de streaming através do SBS On Demand, e somos o podcaster do ano há três anos consecutivos. Esses são motivos para realmente comemorarmos. Somos um bem público, somos parcialmente financiados pelo público, e é muito importante para nós entregar cada vez mais valor para os australianos a cada ano".
E um desses 60 idiomas é o Tetum, que foi introduzido em 2023. O Tetum é uma língua falada na ilha de Timor, que testemunhou uma grande onda de imigração para a Austrália após a instabilidade civil e a invasão indonésia em 1975. Fugindo do conflito, essa comunidade estabeleceu suas raízes por todo o país, mantendo sua língua e tradições.
José Pires tinha 8 anos quando sua família fugiu da violência em Timor Leste, então conhecido como Timor Oriental, em 1975. Após uma viagem de três dias em um navio de carga norueguês, eles chegaram a Darwin.
"Tudo parecia ter acontecido muito rápido. A guerra civil estourou. Eu estava na escola em Timor. E, em poucas semanas, já estava na Austrália, em um lugar totalmente diferente. Fugimos de casa para uma casa perto do porto e, então, não conseguimos chegar lá durante o dia, havia muita luta, muitos tiros ao redor, que eu me lembro bem. Na manhã seguinte, conseguimos nos infiltrar e conseguimos chegar ao porto".
Timor-Leste conquistou sua independência da Indonésia em 2002. Quanto à SBS, ela agora transmite em 60 idiomas, abrangendo áudio, digital e televisão. Hoje, a Austrália é lar de pessoas que se identificam com mais de 300 origens diferentes.
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