Trabalho sexual como profissão: relatos de brasileiros na Austrália

Leilande

Leilande Santos Walker, de 38 anos, tem jornada dupla de trabalho na Austrália, como cuidadora de idosos e profissional do sexo. Source: Supplied

Para entender a realidade de pessoas que tem a prostituição como profissão na Austrália, conversamos com três imigrantes brasileiros que relatam suas experiências na indústria do sexo pago no país.


Resumo da reportagem:
  • Como é a prostituição como profissão para imigrantes na Austrália
  • Profissionais do sexo no país tem que escolher entre cumprir leis ou preservar sua segurança
  • Pesquisas sobre trabalhadores sexuais imigrantes na Austrália são limitadas
  • Nova Gales do Sul, o Território do Norte e Victoria legislaram para que o trabalho sexual seja descriminalizado
  • Idade, educação e formação cultural dos profissionais do sexo variam de estado a estado
  • Uma pesquisa feita em Sydney sugere que imigrantes constituem uma proporção substancial de trabalhadores na indústria do sexo na Austrália, particularmente da Tailândia, China e Coreia do Sul*
Atenção: este conteúdo é considerado sensível e contém informações e depoimentos relacionados a prostituição, exploração e abuso sexual.

Cada estado australiano possui leis distintas e específicas em relação ao trabalho sexual. A Scarlet Alliance, Associação Australiana de Profissionais do Sexo, atua desde 1989 em defesa da descriminalização da profissão em todo o país.

Neste podcast especial da SBS em Português sobre “A prostituição como profissão: relatos de brasileiros na Austrália”, ouvimos três imigrantes brasileiros que tem experiência com trabalho sexual na Austrália.
sex work in south australia
As leis da descriminialização do sexo na Austrália protegem os imigrantes que estão em situação mais vulnerável Source: SBS / SBS World News
Luca (nome fictício), é estudante internacional, tem 23 anos e trabalhou como garoto de programa durante quatro meses em Melbourne para pagar a renovação do visto de estudante.

Leilande Santos Walker (nome verdadeiro), de 38 anos, tem jornada dupla de trabalho, como cuidadora de idosos durante a semana e garota de programa nos finais de semana.

Thales (nome fictício), 26 anos, trabalha na Austrália como profissional do sexo há 6 anos e atua em diversas capitais do país.

Nas entrevistas, Luca, Leilande e Thales falam sobre sua mudança para a Austrália, relação com a família, preconceitos, abusos, a parte financeira, saúde física e mental de trabalhar na indústria do sexo em um país como a Austrália.

"Dinheiro rápido não é dinheiro fácil"

Luca preferiu o anonimato nesta reportagem, porque, segundo ele, caso se identificasse, poderia sofrer preconceito de algum futuro chefe no trabalho.
Luca 1
Luca, 23, estudante internacional: "meu trabalho é proporcionar prazer a qualquer pessoa que contrate meus serviços" Source: Supplied
Em duas horas com os meus clientes eu conseguia ganhar o mesmo que 40 horas de trabalho em hotelaria. Mas alguns programas era bem difíceis de fazer.
Luca, profissional do sexo na Austrália
"A prostituição é ligada a dinheiro rápido, mas isso não significa que o dinheiro venha de forma fácil, " diz Luca.

Sempre depois dos encontros que classificava como 'ruins', Luca compensava e se dava um presente gastando parte do dinheiro que tinha recebido.

“Quando você estiver em um transporte público ou qualquer outro lugar bastante movimentado, olhe para as pessoas ao seu redor e se pergunte se você faria sexo com cada uma delas - sim, elas podem ser seus próximos clientes”, diz.

Ele também conta que geralmente não se sabe como é o estado físico e mental do cliente até que a porta do local onde vai acontecer o programa se abra. Então segundo ele, é sempre uma surpresa.

“Apenas algumas conversas são trocadas por celular antes do encontro pessoal.

"Essa curiosidade e incerteza traz uma certa insegurança a cada novo encontro”, afirma Luca.
Victoria legalises sex work
Credit: Unsplash/Ehimetalor Akhere Unuabona
Marginalização da profissão

O advogado e ex-Cônsul Honorário do Brasil em Queensland, Valmor Morais, falou à SBS em Português sobre a marginalizarão da profissão. Segundo ele isso se agrava quando se tratam de imigrantes.

“São pessoas que normalmente estão num visto de turista ou num visto de estudante.

Elas não vão declarar em relatórios ou pesquisas a real profissão, pois isso pode ir contra elas aos olhos da imigração ou na análise do visto”, explica Valmor.

E acrescenta: “Assim como muitos residentes australianos ou cidadãos também não declaram que trabalham com prostituição devido ao estigma que existe contra esta profissão."

"A indústria do sexo está mais próxima da criminalidade porque nunca houve proteção legal do estado ou das leis para protegerem esta categoria”.
sex work in south australia
Source: SBS / SBS World News
Valmor também destaca a complexidade das leis australianas em relação a indústria do sexo exemplificando: “Em Queensland é crime oferecer serviços sexuais sem o uso de preservativo.

Ele também conta que “enquanto em NSW é permitido que os trabalhadores do sexo recebam seus clientes nas suas residências, em Victoria é crime receber clientes na casa do profissional do sexo.”

Luca diz que essa proibição já o colocou em risco, e explica os motivos.

“Quando você está na casa do cliente, que geralmente é um desconhecido, dificilmente você vai ter controle da situação, pois você nunca sabe se a pessoa está falando a verdade sobre quem ela é, se tem mais de uma pessoa na casa durante o programa, ou até mesmo se você está sendo filmado sem o seu consentimento”.
Segundo Mish Pony, CEO da Scarlet Alliance, Associação australiana de profissionais do sexo, “é essencial que a Austrália descriminalize totalmente o trabalho sexual em todos os estados do país.

"A indústria deve regulamentada e amparada por leis que a tornem mais transparente e segura para os profissionais, clientes e também para a sociedade em geral.”

Mish Pony também chama a atenção para o fato de que “os trabalhadoras do sexo enfrentam a difícil escolha entre cumprir as leis que colocam em risco sua segurança e direito à privacidade, ou trabalhar com segurança mas com risco de criminalização e processos judiciais.”

Relação com a família

Leilande não viu problema em expor sua verdadeira identidade na entrevista que concedeu à SBS em Português, nem em contar detalhes da infância traumática que teve, segundo ela, pontuada por abuso sexual.

“Meu pai abusava sexualmente de mim e abandonou a minha mãe quando ela engravidou do meu irmão. Depois disso, ela se casou novamente e o meu padrasto também passou a abusar de mim”, recorda.
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Leilande levou seu caso de abuso sexual para a corte australiana.
Ela diz que iniciou o trabalho sexual muito cedo.

“Comecei a me prostituir aos 14 anos pelas ruas de São Paulo, casei com um cliente aos 16 e vim para a Austrália com meu segundo marido australiano.

"Chegando aqui ele começou a me obrigar a ter relações sexuais com ao amigos dele e também com desconhecidos em troca de dinheiro. Depois de muitos abusos, o caso foi resolvido judicialmente na corte australiana”.

"Minha mãe aprendeu a respeitar minha decisão"

Thales, que assim como Luca também prefere manter sua identidade preservada, trabalha como garoto de programa na Austrália há 6 anos. Ele diz que contou para a mãe por telefone, e que ela inicialmente não reagiu bem.
Thales
Thales tem 26 anos e tem a prostituição como profissão na Austrália há seis anos. Ele tem clientes em várias cidades do país. Source: Supplied
“Isso (a prostituição) vai contra a crença religiosa dela. Mas ela acabou me surpreendendo ao aprender a respeitar minha decisão, e atualmente a nossa relação é ótima."

"Já o meu pai diz que sente muito orgulho por eu ter conquistado a minha independência financeira aqui na Austrália, e que o importante é que estou feliz”.

Cuidando da saúde mental e física

Leilande, que mora na cidade de Melbourne há 10 anos, diz que parou de usar drogas há um ano e meio.

“Eu estou limpa desde então. Agora tenho a intenção de escrever um livro contando a minha história e ajudar pessoas que passam ou já passaram por situações parecidas com a minha.”

Sobre o trabalho como cuidadora de idosos, ela diz que é muito gratificante.

“Sinto que estou ajudando as pessoas. Depois que eu chego em casa (após um dis de trabalho), fico em paz comigo mesma”.
Thales diz que ainda pretende trabalhar como garoto de programa por muitos anos. Para garantir que a saúde esteja em dia, ele busca ter um estilo de vida saudável e faz check-ups médicos regularmente.

“Eu uso preservativos e tomo PreP, um medicamento que qualquer pessoa com vida sexual ativa pode ter acesso ao ir num GP (clínico geral). Para quem não sabe, a PreP é um medicamento que evita o contágio do HIV durante as relações sexuais”, explica Thales.

A profissão mais antiga do mundo agora ao alcance de um clique

Thales destaca que com a internet, a prostituição não está apenas nas ruas e boates, mas também nos websites de acompanhantes.

“Agora é tudo ao alcance de um clique. Se uma das profissões mais antigas do mundo continua se reinventando, precisamos parar de fingir que ela não existe.

"Na minha opinião, esta profissão deve ser regulamentada e descriminalizada no mundo todo, para que esse assunto deixe de ser tabu e vejamos isso com mais naturalidade”, diz Thales.

Mais proteção e auxílio da lei

Para Valmor Morais, a Austrália deveria seguir o mesmo modelo da Nova Zelândia.
Ele conta que “lá, os profissionais da indústria tem direitos como todas as outras profissões e podem inclusive contar com o apoio da polícia e do governo caso precisem de ajuda.”

Valmor lembra que “durante o período (de lockdown) da pandemia da COVID-19, os trabalhadores do sexo receberam benefícios previdenciários e seguro desemprego como qualquer outro trabalhador (na Nova Zelândia). É a humanização da profissão mais antiga do mundo, sendo devidamente protegida pela lei”, explica Valmor.

Mish Pony, da Scarlet Alliance, pontua que "apesar do fato de que a Nova Zelândia é precursora mundial no que diz respeito a direitos trabalhistas para profissionais do sexo com a Lei de Reforma da Prostituição de 2003, a Seção 19 estipula que ninguém com visto de trabalho temporário - seja um visto de estudante ou um visto de trabalho e de férias - está legalmente autorizado a participar da indústria do trabalho sexual."

Valmor conclui: "alguém pode me perguntar ‘você gostaria que seus filhos, irmãos ou alguém da sua família fosse profissional do sexo?’ Eu digo que particularmente não gostaria por causa da complexidade dessa indústria. Mas se eles fossem, eu gostaria que tivessem todos os direitos e proteções que já existem em todas as profissões”.

Pesquisas sobre trabalhadores sexuais imigrantes na Austrália são limitadas. Uma pesquisa feita em Sydney sugere que imigrantes constituem uma proporção substancial de trabalhadores na indústria do sexo na Austrália, particularmente da Tailândia, China e Coreia do Sul. Saiba mais detalhes fazendo o download do estudo Migrant Sex Workers in Australia.

Cada estado e território australiano possui uma organização de trabalhadores do sexo onde é possível encontrar informações relevantes e suporte para profissionais da categoria. Clique aqui para ter acesso a este conteúdo disponibilizado pela Scarlet Alliance, Australian Sex Workers Association.

Se você ouviu o podcast e/ou leu esse artigo, e se sentiu triste ou afetado, ligue gratuitamente para o LIFELINE no número 13 11 14, que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, ou visite lifeline ou beyondblue.

Há também o escritório de serviços australianos que atende em todos os idiomas no número 131 202 ou por esse link.

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