'Gosto de falar sobre morte quando estamos alegres e com saúde. Não acho algo mórbido.'

Alex Antunes

Alex Antunes: "Quis escrever um artigo sobre a experiência do imigrante e a morte."

A curiosidade e o fascínio com a morte e o luto, levaram Alex Antunes a pesquisar mais sobre esse processo que é doloroso, mas que não sua visão não é mórbido, e nem algo que deve ser evitado. Ela começou sua importante pesquisa a partir dos costumes de seus avós portugueses.


Alex atua em várias frentes, estudou para conduzir cerimônias e funerais, trabalha em uma funerária e recentemente iniciou um projeto de pesquisa para desvendar como imigrantes encaram a morte, e como seus avós portugueses encaravam a morte.
Alex Antunes
"Como sou guitarrista, gosto às vezes de tocar, cantar, e assim acho que fico mais ligada à cultura de Portugal," diz Alex. Credit: supplied
Acompanhe abaixo a entrevista. Para ouvir a conversa completa faça o download do áudio no topo da página.

Fale um pouco de você, quem é Alex Antunes?
Tenho 46 anos e a maior parte da minha vida profissional trabalhei na área de informática. Mas as coisas começaram a mudar depois da morte do meu pai, há cinco anos.

Meses depois morreu a minha sogra, ela sofria de demência, e eu fiquei muito com ela no hospital.

Essas mortes me deram a percepção de que a vida pode ser curta. Não sabemos o tempo que temos e precisamos aproveitar ao máximo o tempo que nos resta.
Como essas mortes mudaram você como pessoa?
Essas mortes foram catalisadoras para muitas descobertas pessoais.

Deixei meu parceiro, que é também o pai da minha filha.

Cheguei à conclusão que sou gay, lésbica, queer. Eu uso várias descrições para minha identidade. Com essa realização comecei a explorar outras maneiras de pensar.

Larguei meu emprego na área de informática e comecei procurar um trabalho que me agradasse.

Foi na altura que teve o lockdown da Covid19 em Melbourne. Tornei-me mais introspectiva. Queria explorar a morte de uma maneira mais profunda.

Você também estudou para ser celebrante de funerais, o que esse trabalho envolve?
Um celebrante de funerais ajuda a familia a honrar a passagem de um ente querido. Para pessoas religiosas, o padre costuma fazer esse serviço.

O celebrante também pode facilitar eventos depois do funeral. Pode ser um serviço num jardim, na praia, na casa, qualquer lugar que o falecido gostava de estar ou onde passava mais tempo.
Alex Antunes morte
"As mortes, embora tristes, têm a possibilidade de enriquecer nossa compreensão da vida e dos outros," diz Alex. Credit: Getty
Eu trabalho numa funerária. Gosto muito de ajudar as famílias a assumirem o controle das suas próprias mortes. Há muitas possibilidades.
Alex Antunes
No momento da morte e quando sentimos dor e luto, é realmente difícil saber o que fazer. É por isso que temos os nossos rituais e costumes.

Um funeral pode ser uma experiência de cura.

Como assim?
O ritual do funeral tem o poder de ajudar a comunidade a expressar suas emoções e evoluir do estado de luto e dor para o próximo estágio.

 O interessante é que o funeral permite que isso aconteça em comunidade. Somos menos solitários quando compartilhamos nossas experiências.

Para mim, é um prazer ajudar as pessoas nesta altura, mas gosto de falar no assunto ‘morte’ também quando estamos alegres e com saúde. Para mim não é mórbido.

Você também começou a investigar como as pessoas em diferentes culturas se preparam para a morte.
Acredito que morremos, mas também não morremos completamente, porque se na nossa vida tocamos a vida de outras pessoas e temos conexões com outras pessoas, essa conexão continua afetando os outros, mesmo depois que morremos.
As mortes, embora tristes, têm a possibilidade de enriquecer nossa compreensão da vida e dos outros.
Alex Antunes
A maneira como vemos a morte mudou muito, e isso se acentuou depois da Covid19. Mas, no seu projeto, há investigação de como seus antepassados em Portugal viam a morte.
Meu projeto surgiu porque comecei a pensar sobre avós e bisavós e as tradições que eles tinham em Portugal.

Eu lembro da maneira que a minha avó tomava conta das pessoas mais idosas na aldeia. Eu sabia um pouco sobre a vida na aldeia, mas não sabia como a morte é tratada.

Acho que eles tinham uma familiaridade muito maior com a morte, mais do que nós que vivemos na cidade.

Pessoas cuidavam umas das outras. Faziam o que tinham de fazer. Quando alguém morria, lavavam o corpo, vestiam o corpo, preparavam-no.

Numa comunidade tem uma pessoa para cada tarefa, uma pessoa cuida do corpo, outros ajudam com transporte, outros fazem comida, outros apanham flores, rezam, cavam a cova.

Nós na cidade temos esse sistema de chamar uma funerária, e eles fazem tudo por nós. Nós pagamos, eles fazem.
View Of Cemetery Against Sky
Cemitério de Peterborough, em South Australia: ao contrário das cidades grandes as comuniddes do interior são mais unidas em seu luto. Credit: Getty
O funeral na sua opinião é uma experiência catalizadora? 
Estou trabalhando nessa área porque acredito que quando a comunidade está envolvida, contribuindo, é melhor para as pessoas. E o luto se torna mais suave.

Até mesmo a tarefa de carregar o caixão, da igreja para o carro funerário ou para o cemitério é um ato difícil de fazer, vemos homens crescidos chorando.

Neste mundo não vemos isso com frequência, mas chorar pode também ser libertador.

Quando há um lugar para expressar o luto, de uma maneira genuína isso pode nos ajudar mais tarde a deixar esse peso para trás. E idealmente saimos do funeral mais leves.

Fale sobre as entrevistas que mais te marcaram.
Um dia pedi à minha mãe para falar sobre a mãe dela e os funerais na aldeia.

Descobri que minha avó ajudava a preparar os corpos para o enterro. Isso me tocou, pois faço isso na funerária.
Alex Antunes
O que pretende fazer com esse material, essas entrevistas?
Gostaria de escrever artigos para um blog, revista ou journal. Ainda não sei.

Isso vai se transformar no que precisar se transformar, e estou confortável com o desconhecido.

Você também faz parte do Comitê LGBTQ+ que está pedindo por um local especial dentro do novo cemitério Harkness em Melbourne.
Harkness ao lado de Sunbury, em Melbourne, é um cemitério novo com 128 hectares, está em construção. É um projeto inovador, com parque, jardins, áreas para crianças, animais de estimação, enterro natural e até ciclovia.

Quando eu visitei, era fim de tarde e tinham cangurus usando o espaço. Espero que isso continue, que mantenha o habitat natural dos bichos.
Porque acredita que é preciso ter um espaço LGBTQIA+?
Ao vermos tudo isso, tantos espaços dedicados, pensamos ‘e nós?’. Também fazemos parte da comunidade? Se há áreas para as várias religiões, crianças, animais de estimação.

Muitos de nós não temos ligação com nossa família biológica, então é claro que gostaríamos de um espaço comunitário.

Precisamos de um espaço seguro. Muitos de nós não temos descendentes, filhos etc. A linha ancestral pára conosco.

Muitos de nós foram expulsos e rejeitados. Nossas identidades foram escondidas. Por exemplo, pessoas trans foram discriminadas e sua identidade não foi honrada.

Houve e ainda há muitas mortes devido a ataques brutais a pessoas LGBTQIA+. Temos uma história de brutalidade policial de uma época em que ser gay era crime.

Mais o trauma de um histórico de mortes por Aids nos anos 80.

As pessoas LGBTQIA+ atualmente não são visíveis nos cemitérios, jovens muitas vezes procuram uma família, quando a sua família biológica não os acolhe.
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"Um espaço ‘Arco Íris’ em um cemitério pode ajudar na compreensão e orgulho da história da comunidade," diz Alex.
*Alex Antunes é uma das convidadas para falar na conferência Redesigning Deathcare que acontece em outubro em Melbourne. Mais informações redesigningdeathcare.org

ao vivo às quartas e domingos ao meio-dia ou na hora que quiser na nossa página.

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