Kelly, que já passa por uma situação difícil, tentando se divorciar do marido no país, e se encontra em um contexto de maior vulnerabilidade desde o início dos conflitos. Sozinha com os filhos, eles são alguns dos milhares de deslocados em abrigos improvisados em Beirute, e Kelly é uma das muitas mulheres estrangeiras que encontram na guerra uma forma de escapar da violência doméstica.
É com essa situação da guerra piorou muito mais. Porque eu sempre quis sair daqui por conta da situação. Antes eu me sentia sozinha. Mas agora são quatro filhos e eu nesta numa guerra.Kelly Rodrigues
Kelly morava perto da fronteira entre o Líbano e Israel e diz que ela e os filhos têm lidado com ataques o ano todo, desde que o conflito começou. Mas nas últimas semanas, os bombardeios aumentaram, e seu salão de beleza foi danificado por bombas. Apesar da situação, o marido de Kelly não queria deixar a área, mas temendo pela segurança de seus filhos, ela pediu ajuda, e seu sogro a levou para um lugar mais seguro.
Quando os conflitos entre israelenses e palestinos começaram, bombas caíram atrás da nossa casa. Um dia eu estava trabalhando no meu salão, e então uma bomba caiu atrás. Eu entrei em pânico. Subi as escadas correndo da minha casa atrás dos meus filhos.
Kelly descreve como até mesmo no caminho para o abrigo houve bombardeios e que ela levou um dia e meio para fazer uma viagem que seria de duas horas de sua casa até Beirute.
“Nós saíamos de manhã do outro bairro para a gente voltar para Beirute, levaria cerca de duas horas, mas ficamos a noite toda o trânsito parado, e as bomba caindo nas montanhas, caindo nos carros. As pessoas gritando, as pessoas morrendo, as pessoas vir correndo desesperado,” diz.
A esperança de Kelly é retornar ao Brasil com seus filhos no avião do governo enviado pelo Brasil para recuperar cidadãos brasileiros. No entanto, ela observou que este primeiro voo levará apenas cerca de 200 pessoas, e há mais de 2.000 brasileiros no Líbano.

Ela conta que se não houver acordo, mais pessoas morrerão de ambos os lados.
É pior. Se ninguém ficar quieto, eles vão se vingar. Matam pessoas lá e eles matam pessoas aqui.
Kelly não é a única que está fugindo duas vezes nessa crise. Ela conhece outras mulheres que, como ela, estão tentando escapar da guerra e veem isso como uma oportunidade de escapar da violência doméstica.

Imagens da região próxima de onde Kelly morava.
Tem muita mulher. Tem umas quatro ou cinco que já deixaram os filhos e foram embora, estão no Brasil, e estão sofrendo longe dos filhos.
O maior desafio para Kelly e outras mulheres na situação dela é que, segundo ela, seu marido se recusa a emitir passaportes para as crianças e, sem a permissão do pai, essas mulheres não podem levar seus filhos com elas, embora elas mesmas pudessem deixar o país com o passaporte de seu país de origem, mas não com filhos.
Kelly diz que tem medo por seus filhos, pois tem dois meninos, um de quase 14 e outro de 12, e duas meninas, 10 e 9, e seu marido queria levar o filho mais velho para a guerra.

Região onde Kelly morava.
Ela comparou a história deles ao conto de fadas da Cinderela, mas o "sapato" é o voo de evacuação do governo para resgatá-las com seus filhos.
"É sobre a gente encontrar um príncipe encantado e calçar o sapato e encontrar a nossa vida, certo? Como a história da Cinderela. Mas na nossa história, o sapato é esse avião e uma lei que tire essas brasileiras daqui que estão sendo espancadas. A gente aguenta mais pelos nossos filhos. Eu não vou deixar meus filhos assim,” disse Kelly, de um abrigo no Líbano, à SBS em Português.
**Enquanto a matéria estava sendo concluída, tivemos a confirmação de que Kelly com seus filhos estava a caminho do aeroporto de Beirute, no Líbano, para embarcar no avião da Força Aérea Brasileira. E o seu embarque foi efetuado com sucesso com seus filhos, que agora estão a caminho do Brasil pela primeira vez.
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