O legado de Gal Costa na música brasileira

Gal Costa At Carnegie Hall

Gal Costa durante show no Carnegie Hall, de New York, em 2011. Credit: Jack Vartoogian/Getty Images

Crescida na Bossa Nova e forjada no Tropicalismo, Maria da Graça Penna Burgos foi parte da revolução musical dos anos 1960 e 1970, e também símbolo de afirmação feminina como elemento ativo na cultura do Brasil.


Para muitos, foi a maior de todas. Certamente uma das mais ecléticas da música brasileira, Gal Costa nos deixou na última quarta-feira, 9 de novembro, mas permanece com um legado de 57 anos de carreira que é parte de uma revolução calma na música brasileira, seguindo os princípios do Tropicalismo, movimento do qual foi uma das principais vozes.
Da Bossa Nova ao rock, das marchinhas de carnaval ao eletrônico. De Dorival Caymmi a Cazuza, de Luiz Melodia a Emicida. Gal uniu o sucesso de público ao de crítica. Capaz de cativar tanto a gente do Primavera Sound quanto a do programa do Chacrinha.

Foi símbolo sexual e de afirmação feminina como elemento ativo na cultura brasileira. Bem-sucedida e dona de seu nariz, Gal era a mulher que poderia ser o que bem entendesse.

Maria da Graça Penna Burgos nasceu em 26 de setembro de 1945 em Salvador, na Bahia, e queria ser cantora desde que se lembrava por gente. Ainda muito jovem, trabalhava numa loja de discos quando virou amiga de um certo grupo culturalmente inquieto da Bahia, formada por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Maria Bethania, entre outros.

Quando o então ídolo e grande nome da música dos anos 60, João Gilberto, a ouviu, declarou para a menina: “Você é a maior cantora do Brasil”. Sua capacidade vocal e seu talento instintivo já eram espontosos. E foi pela Bossa Nova, sua paixão, que ela entrou no mercado fonográfico, em um disco de estreia junto de seu amigo Caetano Veloso, em 1967.
Gal Costa, Music Festival Montreux, 1980
Gal Costa, no Festival de Montreaux em 1980: auge do sucesso popular. Credit: ullstein bild via Getty Images
Ao mesmo tempo em que se lançavam no mercado, já revolucionava o próprio. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram os artífices musicais do movimento tropicalista, que visava colocar a música brasileira em outro patamar.

Em um tempo de comoção política contra a Ditadura, uma parte dos músicos defendia uma música estritamente brasileira, sem interferência estrangeira. Os tropicalistas abraçaram a guitarra elétrica e colocaram o Brasil no liquidificador: a nossa música era o samba e também o rock and roll. O Brasil era a riqueza e a miséria, a cidade grande e o sertão. Era Carmen Miranda e também Roberto Carlos. Intelectual, vanguardista, mas também abraçava os meios de comunicação de massa, onde o povo estava.

E Gal foi, num primeiro momento, um dos lados doces do tropicalismo.

O tropicalismo durou pouco, uma vez que a Ditadura botou Caetano e Gil pra correr. Presos no fim de 1968 e exilados em Londres, o que sobrou do movimento no Brasil permaneceu muito em Gal Costa.

Ao seu modo sereno, ela levou o tropicalismo adiante, não em forma de manifesto, mas através da inquietude estética das músicas que gravava. Como, por exemplo, em Vapor Barato, onde o clima de desbunde da fase aguda da Ditadura encontrava gritos estilo Janis Joplin.
Mas a maior fase de sucesso popular, como figura carimbada nas músicas do Fantástico, nas trilhas das novelas e no programa do Chacrinha, ocorreu entre o fim dos anos 70 e o meio dos anos 80
Como na gravação da velha marchinha de carnaval de Alberto Ribeiro e João de Barro, o Braguinha.

Ou no super sucesso de festa junina de Moraes Moreira, Festa do Interior, de 1981.

Dona absoluta de sua voz e de sua carreira, abraçou o rock/pop dos anos 80, o que fez seus críticos torcerem o nariz.
Num tempo e num país machista, Gal mostrava que a mulher poderia ser o que ela bem entendesse.
Quando o Brasil, frustrado do rescaldo das Diretas Já e soterrado em crise econômica no governo Sarney, parou para se olhar no espelho na novela Vale Tudo, era a voz de Gal Costa que transmitia a energia do momento.

Gal Costa passou os anos 90 e 2000 com menos destaque do que outrora. Mas o tropicalismo estava em seu DNA, e ela, já mais velha, saberia se reinventar novamente. Em 2011, gravou um disco todo de composições de Caetano, com uma pegada eletrônica contemporânea.

E, a partir daí, abraçou novos compositors, como Seu Jorge, Tim Bernardes, Moreno Veloso, Criolo e Silva. Com isso, ganhou toda uma nova geração de admiradores ligados ao mundo da nova música brasileira.

Certa vez, Gal Costa declarou querer que a vida não tivesse fim, que gostaria de mais vida depois que ela apagasse. A esta altura, Gal já descobriu se há ou não continuidade após a morte. Porém, seguirá vivíssima no imaginário da cultura brasileira.

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