PrEP não é só para gays: especialistas defendem ampliar prevenção do HIV

Pills for Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), ou Profilaxia Pré-Exposição, em português

Pills for Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), ou Profilaxia Pré-Exposição, em português, está disponível na Austrália. Porém, sua eficácia é contra o vírus HIV, e não com outras infecções sexualmente transmissíveis. Source: iStockphoto / MarcBruxelle/Getty Images

A SBS em Português conversou com especialistas médicos que reforçam a importância de divulgar para toda a população a PrEP, uma pílula altamente eficaz na prevenção do HIV em relações sexuais sem preservativo - porém, sem eficácia para outras infecções sexuais. Também ouvimos três brasileiros na Austrália que usam a pílula preventiva e relatam a transformação na própria relação com o sexo. Governo quer zerar a transmissão do vírus da aids até 2030.


A PrEP (profilaxia pré-exposição, em português) é uma pílula diária que, quando usada exatamente como prescrita por um médico, reduz em mais de 99% o risco de contrair HIV por via sexual. É importante destacar que a PrEP protege apenas contra o HIV, mas não previne outras infeções sexualmente transmissíveis (ISTs), como gonorreia, clamídia, herpes genital ou sífilis.

Segundo o clínico-geral australiano Ryan Holmes, com experiência em clínicas de saúde sexual em Sydney, “a PrEP é uma das ferramentas mais seguras e eficazes atualmente para a prevenção do HIV”, mais ainda do que o uso do preservativo.
Ryan Holmes
“Os pacientes, obrigatoriamente, fazem exames médicos a cada três meses para conseguirem novas receitas, e o tratamento consiste em uma única pílula diária”, diz o médico Ryan Holmes.
Holmes afirma que prescreve o tratamento há mais de sete anos.

“Os pacientes, obrigatoriamente, fazem exames médicos a cada três meses para conseguirem novas receitas, e o tratamento consiste em uma única pílula diária.”

Ele reforça que os efeitos colaterais são incomuns:

“A maioria tolera bem. Casos de náusea, dor de cabeça ou alterações renais são raros e, quando acontecem, costumam desaparecer nas primeiras semanas com acompanhamento médico.”

Uso da PrEP na Austrália

A PrEP começou a ser usada no país em 2014, foi aprovada pela TGA (Therapeutic Goods Administration) em 2016 e faz parte do PBS (Pharmaceutical Benefits Scheme) desde 2018, tornando-a gratuita ou de baixo custo para alguns usuários.

Quanto custa por mês

• Estudantes internacionais e desempregados têm acesso gratuito pelo programa PrEPMe.

• Indígenas registrados no Close the Gap também têm acesso gratuito.

• Quem possui Medicare, paga até A$ 31,60 por mês (valor deve cair para A$ 25 em 2026).

• Quem não possui Medicare, paga em média A$ 60 nas farmácias.

• Compra online (com receita australiana) custa cerca de A$ 25 no site pan.org.au, com entrega em casa.


Especialista alerta que estigma reduz o alcance da PrEP na população

Embora altamente eficaz, a PrEP ainda é muitas vezes associada apenas a homens gays. Em entrevista à SBS em Português, o professor e diretor do Melbourne Sexual Health Centre, Dr. Jason Ong, ressalta que essa visão limitada faz com que outras pessoas que poderiam se beneficiar do tratamento fiquem sem informação e sem acesso à prevenção.
Muita gente ainda acha, inclusive alguns médicos, que o HIV é só um problema de homens gays. E isso faz com que muitas pessoas heterossexuais acabem não recebendo incentivo pra usar a PrEP, mesmo quando poderiam se beneficiar.
Dr. Jason Ong, diretor do Melbourne Sexual Health Centre.
Para ele, uma solução seria ampliar a comunicação pública.
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Professor e diretor do Melbourne Sexual Health Centre, Jason Ong acredita ser importante ampliar a comunicação pública sobre a PrEP.
“Seria muito útil se o governo investisse em campanhas de saúde voltadas a todas as pessoas sexualmente ativas, sem distinção de orientação sexual ou gênero. Isso ajudaria a tirar o estigma em torno da PrEP e a normalizar o seu uso como uma opção de prevenção acessível a qualquer pessoa que precise.”

Segundo médica, heterossexuais se testam menos para HIV

A médica de família Camila Marques de Castro, 42 anos, que atende em uma clínica em Brisbane, Queensland, diz que, apesar de seus 15 anos de experiência, só no último ano começou a receber pacientes em busca da PrEP - mas todos homens gays.

“Apesar da PrEP vir se popularizando na Austrália nos últimos anos, acredito que ainda há demanda para crescimento. No meu caso, prescrevi poucas vezes e somente para homens que fazem sexo com homens.”
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Médica em Brisbane, Camila de Castro afirma que o uso da PrEP não é comum entre homens heterossexuais.
Ela explica que geralmente o comportamento da comunidade heterossexual é diferente da comunidade gay em relação à saúde sexual.

“Ainda é comum encontrar pacientes héteros que tiveram exposição sexual sem preservativo, mas que chegam no consultório pedindo testes apenas para clamídia e gonorreia - mas é sempre importante oferecer o teste de HIV e de outras ISTs também.”

Mais controle sobre a própria saúde: a PrEP para mulheres heterossexuais

A brasileira Mariana, que se identifica como heterossexual e preferiu nos dar esta entrevista anonimamente, começou a tomar PrEP recentemente:

“Eu saía com muitos caras de aplicativos de encontros, e eu queria ter mais controle sobre a minha saúde. Para mim, a PrEP é uma forma de empoderamento, pois eu me sinto mais segura. Nós, héteros, também corremos risco de pegar HIV, mas muita gente simplesmente ignora isso.”

Ela descobriu o tratamento assistindo a uma série de TV americana.

“Eu sou a única entre as minhas amigas que usa PrEP. Ainda existe essa ideia errada de que este medicamento é só para homens gays, mas isso precisa mudar. Eu sempre converso sobre isso com os meus amigos héteros e eles ficam surpresos quando conto que a PrEP existe. O governo deveria investir em campanhas amplas para divulgar. Informação salva vidas.”

O mito de que mulheres lésbicas não pegam ou transmitem HIV
É importante salientar que mulheres também podem estar em risco de contrair HIV, inclusive mulheres que fazem sexo com mulheres.
Camila de Castro, médica em Brisbane.
“A transmissão do HIV entre mulheres lésbicas, embora rara, pode acontecer pelo contato com sangue ou secreções vaginais contaminadas, pelo compartilhamento de brinquedos sexuais sem higienização adequada ou pelo sexo com a presença de pequenas lesões, como herpes genital, que pode facilitar a entrada do vírus”, diz doutora Camila.

Experiências de homens gays: “Começar a usar PrEP me trouxe mais segurança”

Lucas Cabral, 28 anos, produtor de eventos em Sydney, usa PrEP há cinco anos:

“Descobri a PrEP em um app de encontros gays aqui na Austrália. No início, muitos homens já usavam e não queriam transar com quem não tomava. Eu fiz minha própria pesquisa, conversei com médicos e tomei esta decisão.”
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Lucas Cabral prefere parceiros que, como ele, usam o PrEP.
Hoje, ele prefere parceiros que também usam.

“Para mim, começar a usar me trouxe mais segurança, e atualmente prefiro parceiros que também a usem, porque sei que eles também fazem exames regularmente e se cuidam. E mesmo assim, eu ainda uso camisinha em algumas ocasiões como forma de prevenção para todas ISTs.”

“A PrEP mudou muito a minha relação com o sexo”

João Paulo Coutinho, 42 anos, que trabalha no setor financeiro em Adelaide, começou a usar PrEP há quase seis anos, quando abriu o relacionamento com o parceiro.
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"O PrEP me dá tranquilidade em encontros casuais", diz João Paulo.
“Eu vivi um relacionamento longo, de 10 anos, que no começo era fechado. Só que depois de alguns anos, a gente resolveu abrir o relacionamento, e foi quando decidimos começar a usar PrEP como prevenção para nos protegermos.”
Eu cresci nos anos 80 e 90, numa época em que o HIV era visto como um monstro, ainda mais para homens gays - então, eu cresci com medo do HIV.
João Paulo Coutinho, que usa a PrEP na Austrália.
“A PrEP mudou muito a minha relação com o sexo. Eu confio e tomo todos os dias, pois me dá muita tranquilidade e segurança, principalmente em encontros casuais de última hora.”

A meta australiana é zerar a transmissão do HIV até 2030

A ciência tem avançado significativamente na prevenção do HIV, oferecendo opções seguras e eficazes como a PrEP. Especialistas reforçam que o mais importante é sempre conversar com um médico ou profissional de saúde antes de iniciar qualquer tratamento preventivo.

O governo australiano, alinhado à meta global da UNAIDS, pretende eliminar a transmissão do vírus até 2030, reforçando o papel da PrEP e de outras estratégias de prevenção.

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