Para Erin, o processo para confirmar o diagnóstico de autismo e TDAH foi longo. "Quando tinha 30 e poucos anos, recebi primeiro o diagnóstico de autismo e descobri que outros membros da minha família tinham TDAH. Percebi que ambas as condições se aplicavam a mim, então, ao começar a consultar uma psiquiatra, perguntei se poderia ser avaliada para TDAH".
De acordo com o serviço financiado pelo governo australiano, Healthdirect, o Transtorno do Espectro Autista, ou autismo, é uma condição de desenvolvimento que afeta a interação do indivíduo com o mundo. O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, TDAH, também é uma condição de desenvolvimento, caracterizada por sintomas como facilidade para distração, impulsividade e hiperatividade.
Segundo Erin, realizar os exames para diagnosticar ambas as condições pode ser caro. "Cada uma dessas condições exige testes diferentes. Alguns exames se sobrepõem, como os testes clássicos de inteligência, que avaliam a presença de deficiência intelectual. Porém, os testes são bastante separados, e o custo é elevado. No meu caso, gastei alguns milhares de dólares — calculei ao final e esse valor representou cerca de 12,5% do meu salário anual".
Nos últimos anos, à medida que as pessoas se tornam mais abertas a discutir saúde mental nas redes sociais, novas pesquisas revelam que a linha entre as duas condições tem se tornado cada vez mais tênue nessas discussões online.
Jemima Kang é pesquisadora de pós-graduação na Universidade de Melbourne. Ela analisou mais de 470 mil publicações no Reddit ao longo de um período de dez anos, nos fóruns dedicados às comunidades de TDAH e autismo.
"O que descobrimos foi que os usuários estão mencionando cada vez mais o TDAH na comunidade de autismo, e vice-versa. Também constatamos que a participação nas duas comunidades tem se tornado cada vez mais sobreposta. Por fim, utilizamos técnicas de processamento de linguagem natural para analisar o contexto em que os termos são usados e identificamos que as expressões “TDAH” e “autismo” estão sendo cada vez mais empregadas em contextos semânticos semelhantes no Reddit".
A pesquisadora afirma que esse fenômeno nas redes sociais traz tanto benefícios quanto riscos.
"De modo geral, esse crescente interesse público por TDAH e autismo, assim como a interconexão entre eles, tem ajudado muitas pessoas a se compreenderem melhor, encontrar uma comunidade e expressar suas experiências. Porém, ao mesmo tempo, essa maior interligação pode acabar confundindo distinções importantes entre as duas condições, favorecendo diagnósticos duplos indesejados e sobrecarregando os serviços de avaliação e atendimento clínico".
Durante muito tempo, TDAH e autismo não podiam ser diagnosticados simultaneamente. Mas essa situação mudou em 2013, com a atualização da última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM-5, que revisou os critérios para o diagnóstico de ambas as condições.
O manual ampliou o diagnóstico de TDAH, que antes era restrito a crianças, incluindo adolescentes e adultos, além de agrupar diversos transtornos antes considerados distintos em um diagnóstico mais amplo chamado Transtorno do Espectro Autista. Desde então, surgiu nas redes sociais uma tendência relacionada ao termo AuDHD, que se refere ao diagnóstico conjunto de autismo e TDAH.
A Dra. Tamara May, psicóloga clínica especializada em autismo e TDAH, afirma que é difícil obter o diagnóstico de autismo ou de TDAH na Austrália — e, mais ainda, conseguir ambos.
"No caso do TDAH, a maioria das pessoas consulta um psiquiatra, que indica o tratamento mais baseado em evidências, que é a medicação estimulante — e esse acesso é bastante restrito. É preciso recorrer à rede privada, o que pode custar alguns milhares de dólares, tornando o diagnóstico de TDAH bastante difícil. De forma semelhante, o diagnóstico de autismo geralmente é realizado por um psicólogo especializado em condições do desenvolvimento e diagnóstico do autismo. Esse procedimento, quando feito de forma privada, também pode ser muito caro, e, para adultos, geralmente só está disponível pela via privada".
Mas afinal, é possível diagnosticar autismo e TDAH ao mesmo tempo? Segundo a Dra. Tamara May, isso é bastante improvável.
"Frequentemente, tentamos realizar avaliações que considerem ambas as condições simultaneamente. No entanto, geralmente os psiquiatras não têm o conhecimento necessário para conduzir avaliações de autismo, já que essa condição é historicamente vista como um transtorno do desenvolvimento, sendo, portanto, área de atuação de psiquiatras infantis e pediatras. Assim, muitas vezes o psiquiatra diagnostica apenas o TDAH, enquanto o autismo fica a cargo de um psicólogo, especialmente no caso de adultos — o que acaba tornando o processo bastante caro para quem busca esses diagnósticos".
Nicole Rogerson é a diretora-executiva da Autism Awareness Australia. Ela também alerta que as pessoas precisam ter cautela com o que leem nas redes sociais.
"Acho que é preciso ter muito cuidado ao entender que o espectro do autismo é muito amplo — na verdade, está mais abrangente do que nunca. Movimentos como o da neurodiversidade têm feito com que, naturalmente, um número maior de pessoas se identifique como pertencente ao espectro do autismo e, possivelmente, portadora de TDAH. Embora queiramos abraçar a ideia de que a neurodiversidade carrega uma mensagem positiva, é fundamental compreender que essas condições são muito sérias e, para uma parcela significativa da comunidade, vêm acompanhadas de um grau considerável de incapacidade".
Ela afirma que o fundamental é garantir a oferta de serviços de qualidade, seja para pessoas com um único diagnóstico, seja para aquelas que apresentam ambos.
"Não se trata tanto de ser um diagnóstico ou ambos. Acho que o que realmente importa é que tenhamos serviços de diagnóstico de qualidade em todo o país, para que as pessoas recebam avaliações precisas. Não é apenas preencher um formulário ou falar alguém online via teleconculta; precisamos realizar diagnósticos diferenciais adequados e garantir a exatidão do diagnóstico. Por exemplo, se uma pessoa tem um diagnóstico legítimo de TDAH, sua vida pode melhorar significativamente com o uso da medicação correta. Portanto, é fundamental acertar no diagnóstico para que possamos oferecer o suporte adequado a essas pessoas".
No ano passado, o governo federal lançou um plano nacional para aprimorar o atendimento às pessoas autistas na próxima década. Alguns estados também começaram a buscar formas de tornar o diagnóstico de TDAH mais barato e acessível à população. Desde 2017, Queensland permite que clínicos gerais, os GPs, diagnostiquem e prescrevam medicação para TDAH — mas apenas para crianças.
Na última segunda-feira, o governo de Nova Gales do sul anunciou que os clínicos gerais do estado poderão diagnosticar TDAH e prescrever medicação tanto para crianças quanto para adultos. Até mil médicos receberão treinamento antes de assumirem essa nova responsabilidade, mas os detalhes sobre o conteúdo e a implementação desse treinamento ainda não foram confirmados.
A Dra. Rebekah Hoffman, presidente da Royal Australian College of General Practitioners para Nova Gales do Sul e o Território da Capital Australiana (ACT), afirma que a reforma facilitará o acesso à prescrição para pacientes já diagnosticados com TDAH, além de contribuir para reduzir o estigma em torno da saúde mental.
"O que isso também significa, espera-se, é uma redução nas listas de espera para consultas com pediatras e psiquiatras, caso consigamos acompanhar e gerenciar alguns dos pacientes complexos, mas estáveis, que não precisam de atendimento tão frequente".
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