Em um dos maiores festivais de cinema do mundo, o Festival de Cannes, o filme ‘O Agente Secreto’ de Kleber Mendonça Filho venceu os prêmios de Melhor Diretor, Melhor Ator, pela performance de Wagner Moura, além do prêmio independente FIPRESCI, atribuído pela Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica (FIPRESCI).
Foi uma experiência muito forte, pouco mais de 60 pessoas que fizeram o filme viajaram para estar na estreia mundial do filme, muita gente que não tinha nem saído do Brasil.Kleber Mendonça Filho
Agora, o diretor está em Sydney, com seu longa-metragem nomeado na categoria de Melhor Filme do Sydney Film Festival (SYFF).
A premiação vai acontecer neste domingo, dia 15 de junho.

Adriana Wainstok e Kleber Mendonça Filho conversam em passagem do diretor por Sydney.
O personagem Marcelo, interpretado por Wagner Moura, tenta fugir de um passado violento e misterioso, mas logo a paz e a calmaria se transformam em um cenário caótico, e a cidade que achou que ele achou que o acolheria, fica bem longe de ser seu refúgio.
O filme é totalmente imprevisível (...) ele é muito mais sobre um estado de espírito, uma atmosfera, do que um incidente histórico.Kleber Mendonça Filho

THE SECRET AGENT © Victor Juca
Você já veio para a Austrália algumas vezes, dessa vez vindo para o Sydney Film Festival, festival em que o seu filme está nomeado na categoria de melhor filme. Qual a sensação de estar aqui na Austrália e como surgiu esse convite?
Eu vim pela primeira vez em 2012, com 'O Som ao Redor', era o meu primeiro longa de ficção, e era também o meu primeiro ano no SFF. Foi a partir daí que o Nashen Moodley, que é o diretor artístico do festival, passou a me acompanhar como cineasta, ver os filmes que eu fazia. Depoi ele convidou também o 'Aquarius' em 2016.
Filme que venceu.
Venceu o festival, passou em competição, e em 2019 ele também convidou o 'Bacurau'. Aí veio eu e Juliano. Ele convidou também o 'Retrato Fantasmas' dois anos atrás, mas eu não vim, e agora eu vim como 'O Agente Secreto', sendo esse o segundo festival da carreira do filme. O primeiro foi Cannes.
Falando de Cannes, você venceu vários prêmios, até teve que subir ao palco para receber o prêmio do Wagner Moura, ele te deu um trabalho ali! Me conta como é que foi receber esses prêmios, e também comenta com a gente sobre a sua longa relação com o Festival. De júri à consagração do próprio filme.
Eu tenho uma relação bem longa com Cannes. Eu comecei a ir como crítico. Eu não sei, é incrível e ao mesmo tempo são experiências muito diferentes você ir como crítico e depois você ir como júri, depois você ter filmes na competição e agora com 'O Agente Secreto', vencer.
Foi uma experiência muito forte, porque pouco mais de 60 pessoas que fizeram o filme viajaram para estar na estreia mundial do filme, muita gente que não tinha nem saído do Brasil. Isso aconteceu com 'Bacurau' também, mas agora como 'O Agente Secreto' foi um número maior.
Você esperava vencer?
Eu estava feliz de estar mostrando o filme. Eu fiquei muito feliz com o reconhecimento do filme. Não foram só os prêmios, que já é muita coisa, mas a reação da imprensa internacional foi super forte, a imprensa francesa, a imprensa do Brasil. Eu vou ter agora uma estrada de muitas viagens com o filme, Sydney sendo a primeira delas.
A gente tem uma sensação de que os filmes nacionais estão sendo cada vez mais reconhecidos. 'Ainda Estou Aqui' acabou de ganhar um Oscar. Como é que você encara esse momento do cinema nacional?
É um grande momento. O ministério da cultura foi reconectado. Voltou a funcionar. Passamos um período com aquela sensação de perseguição, uma demonstração muito grande de que a gente voltou décadas no tempo, um tempo em que artistas voltaram a ser perseguidos.
Voce então associa esse reconhecimento a um momento político?
Sim, porque se foram todos os sistemas de financiamento que fazem parte da vida no Brasil da constituição. O uso do dinheiro público para a produção artística foi sabotado nesses seis anos. Não é como se eles acabassem com a lei [Lei Rouanet, oficialmente Lei Federal de Incentivo à Cultura, mecanismo que permite a empresas e pessoas físicas investirem em projetos culturais através de incentivos fiscais], porque eles não conseguiam fazer isso, mas eles simplesmente sabotaram.
Agora, com o novo governo, o sistema de financiamento voltou, e ao voltar a gente tem uma produção cultural que está a todo o vapor.
Eu acho que o que está acontecendo esse ano com o reconhecimento de 'Ainda Estou Aqui' do Walter Salles, o filme do Gabriel Mascaro, 'O Último Azul', que ganhou em Berlim, e agora o sucesso do 'O Agente Secreto', simboliza a volta da normalidade.
Você anda viajando o mundo e frequentando muitos ambientes com pessoas de outros países. Você sente que o olhar estrangeiro sobre o nosso cinema também está mudando? Eles estão mais abertos ao cinema brasileiro?
A mudança de um olhar vem da constância e da quantidade de filmes que são feitos, ou se você é do mercado, de produtos que são feitos.
É assim que a gente conquista uma presença, que é natural. Uma coisa é você pagar para ter um stand em uma exposição internacional, outra coisa é você ter um filme ou uma série de televisão, ou uma música, que muito naturalmente está falando e representando o brasil quase como um diplomata.
Eu acho que um filme brasileiro quando é visto conta uma história. Ele envolve as pessoas. Filmes brasileiros têm música, fatores e situações que são universais, mas ao mesmo tempo, o filme é brasileiro.
É a mesma coisa que eu sinto quando eu estou no Brasil e vejo um grande filme australiano por exemplo. Assisto e penso, que interessante, fiquei com vontade de conhecer a Austrália por causa dos filmes que me fizeram viajar para a Austrália anos antes de eu ver a Austrália pela primeira vez. Então é exatamente a mesma coisa.
Eu já li várias críticas do 'O Agente Secreto' que diz assim: "não obstante o tom que às vezes é forte desse filme, que fala de um período muito ruim da história do Brasil, o tom dá vontade de morar no Brasil." Eu eu achei isso engraçado, natural e engraçado ao mesmo tempo.
'O Agente Secreto' se passa em 1977, naquele período da ditadura, mas eu vi em uma das entrevistas suas você falando que não é para as pessoas esperarem um filme propriamente sobre ditadura, mas sim aquela atmosfera da ditadura. Quando você falou isso, eu pensei em conversas com meus pais, que eram novos na época, e falam como eles não viam a ditadura escancarada, mas eles sentiam uma energia ali, alguma coisa diferente. Eu acredito que muita gente vai se identificar com isso. De onde veio essa ideia de falar sobre esse período de uma maneira mais sublime, e quais os desafios de fazer isso?
Acho que o filme não é um filme de ditadura, mas se passa em um momento que nós associamos à ditadura. Eu não sei se isso é bom ou ruim, eu não sei se muita gente não vai querer ver o filme por não ser um filme de ditadura ou não vai querer o filme porque acha que é um filme de ditadura.
Mas que eu gosto muito de quando eu vou fazer um filme, tentar entender onde que eu posso ir que ainda tenha um frescor, mas que ao mesmo tempo não tenha vergonha de ser o que é.
Por exemplo, 'Bacurau' eu sempre achei que seria um Western, mas ao mesmo tempo ele não é. 'O Agente Secreto', ao se passar em 77, historicamente faz parte daquele período da história do Brasil. Mas ele não tem alguns elementos que você esperaria em filme de ditadura, a coisa do pau de arara, da tortura, aquela cena em que os jovens guerrilheiros vão assaltar um banco para pegar o dinheiro para bancar as ações que eles precisam fazer para enfrentar a ditadura.
A palavra ditadura não é falada no filme. Eu espero que eu tenha respeitado o período histórico com esse filme ao mesmo tempo em que talvez eu ofereça algo que seja novo.
Que você consiga passar a sensação pelo menos, certo?
O filme é muito mais sobre um estado de espírito, uma atmosfera, do que um incidente histórico.
Nesse filme, a gente tem Wagner Moura e Maria Fernanda Cândido. Seus elencos são sempre muito marcantes. Eu queria saber como você escolhe quem você quer nos seus filmes.
O filme foi escrito para Wagner. A gente queria trabalhar um com o outro há muito tempo.
É o primeiro trabalho junto de vocês?
Primeira vez. Espero que a gente vá fazer outros.
Escrevi esse para a Wagner, alguns outros personagens eu inevitavelmente pensava em alguém, mas não sabia se eu conseguiria a pessoa, se estaria disponível. Mas a maior parte surge de um trabalho muito incrível que acontece, que é o casting.
Me juntei com Gabriel Domingues foi o nosso diretor de casting, e Marcelo Caetano, que é um grande cineasta que trabalhou comigo em outros filmes. A gente fica olhando para fotografias e vendo vídeos de pessoas e dizendo, essa pessoa é muito interessante, olha só.
O que torna ela interessante.
Essa pergunta é impossível porque o que acontece é que à vezes tem um ator que estuda cinco anos em escola de artes dramáticas e aí não é essa pessoa, não é o jeito dela. E ai tem um cara que uma amiga falou que conhece da faculdade. Ele manda um vídeo e é ótimo.
Ele é chamado para fazer um teste que é uma câmera onde ele fala alguma coisa, depois vai fazer um ensaio com uma cena e as vezes esse cara vai ser perfeito sem nunca ter atuado antes. É uma coisa de cara, de jeito de de falar.
Não sei, é muito difícil explicar isso. Não significa que eu trabalhe só com atores que não são profissionais, tem muita gente que não é profissional e são ótimos e tem muitos atores profissionais que são incríveis também. Essa mistura é imprevisível.
Você é de Recife e boa parte do filme se passa em Recife. Qual a importância para você de fazer filmes que se passem na Susa sierra natal? Vem de um lugar de familiaridade?
Eu sou do Recife, então para mim é natural que meus filmes passem no Recife. Eu estaria um pouco fora da minha área se eu fosse filmar no Rio, por exemplo. Esse filme, inclusive, eu filmei algumas cenas em São Paulo, foi ótimo, quem sabe eu faço um filme em São Paulo, mas fazer para mim no Recife faz sentido, é onde eu moro e tantos cineastas filmam as cidades de onde eles são.
Você conhece as nuances do lugar também.
Na história do cinema, você tem o Almodóvar fazendo filmes em Madri. Ele é de Madri. Ken Loach fazendo os filmes dele na Inglaterra. Woody Allen faz filmes de Nova Iorque e ninguém fala nada porque é uma cidade tão midiatizada que virou normal. Então eu acho que Recife para mim é tão natural quanto qualquer outra cidade.
Você falou que você assiste filmes australianos. Eu vi você falando em alguma ocasião sobre um filme chamado 'Wake in Fright', citando a questão de que mesmo sendo um thriller, te dá uma sensação de terror. Quando você falou isso logo pensei em 'Bacurau' que não é terror, mas causa essa dúvida na questão do gênero. Eu queria saber um pouco sobre essa técnica, e também se a gente pode esperar isso do filme 'O Agente Secreto'.
Eu não acho que é uma técnica. É mais uma assinatura natural, um pouco como eu olhar para a sua assinatura e dizer, mas me explica essa técnica desse 'P' aqui. Não sei explicar.
Eu acho que o 'Wake Freight' é um grande filme australiano, que me agrada muito porque você não sabe muito bem onde é que você está.
Essa para mim é uma das grandes e melhores sensações de você estar lendo um livro e vendo um filme. Isso porque o mercado no geral quer saber, o que é você?
Hoje à noite vai ver uma comédia romântica, aí vai ter o cara que conhece a menina e eles vão jantar e toca uma música. Eles se despedem e no final acabam juntos. Eu na verdade gosto de ver filmes que eu não sei exatamente o que eu estou vendo. E aí você espera uma comédia, que parecia uma comédia romântica agora a pouco, mas depois eu estou com medo. O que está acontecendo aqui? Para mim, esses são os filmes mais interessantes, e pelo que eu tenho acompanhado as reações ao 'Agente Secreto', o filme é totalmente imprevisível, isso é muito bom.
Seus filmes normalmente contêm algum tipo de crítica social. Você faz isso propositalmente ou é natural?
Eu acho que a vida na sociedade, como a sociedade funciona quando você dramatiza, vira uma situação de crítica social muito facilmente. Eu nunca acordo e digo ‘hoje eu vou escrever uma cena que é uma crítica social’, isso para mim não existe.
Acredito que a gente acaba relacionando quando vemos os filmes por se tratarem de situações mundanas.
Mas são muito mundanas. Você mora em um lugar e tem gente querendo comprar o lugar que você mora, e você diz, mas eu não estou interessada. Pronto, crítica social. Essa é a vida real. É dinheiro, é especulação imobiliária. Você está em paz com você própria, tentando viver sua vida e tem alguém enchendo o saco.
Então vamos dizer que retratar a vida é uma critica social.
Retratar a vida é uma crítica social. Basicamente acho que as melhores histórias retratam a vida. Pode ser alguém que não sabe se mora no Brasil ou na Austrália. Crítica social.
Porque você vai discutir o Brasil e vai discutir a Austrália, o que tem de bom na Austrália, o que tem de bom no Brasil, o que tem de bom nos dois, o que tem de ruim nos dois, crítica social.
Mas você não está querendo fazer uma crítica social, você só está querendo contar uma história. Eu nunca escrevi um filme, querendo que o filme tivesse uma crítica social, se eles têm, é porque faz parte da história.
Quero falar sobre as as trilhas sonoras de seus filmes. 'O Agente Secreto' começa com uma música marcante, a trilha sonora é uma coisa que você da uma atenção especial?
Eu penso muito o tempo todo na trilha. Mas eu penso em três etapas que são naturais. Uma é o roteiro. Eu já coloco algumas músicas que eu acho que aquela sequência vai ficar boa. Pode até não dar certo. Na filmagem, porque eu estou tão dentro do filme, eu começo a lembrar de outras coisas. Outras músicas vem por causa da filmagem, por causa dos atores, de como aquela cena foi, como ela foi diferente do que estava no roteiro.
Mas a maioria é definida principalmente na montagem. A montagem é quando mais entra ou cai música para o filme, e todas essas três etapas são fantásticas porque a música para mim não é nunca aquela coisinha tocando no cantinho.
A música é uma personagem no filme. Inclusive é o mesmo preço se você colocar baixinho no cantinho ou se você tocar alto, se é o mesmo preço, então faça valer.
Vamos agora falar sobre o público brasileiro. Os brasileiros são quase um agente de distribuição dos filmes nas redes sociais. Com criatividade e engajamento, já até criaram-se memes do 'O Agente Secreto'. Você sente que o povo brasileiro tem um jeito único de divulgar a arte do nosso pais?
Eu acho fantástico. O que aconteceu com a Fernanda Torres em 'Ainda Estou Aqui', aquela força toda. Eu lembro de uma postagem da Academia, acho que com a Nicole Kidman, eu acho que tinha 8000 likes, e de Fernanda tinha 700 mil likes, um negócio assim surreal.
Eu acho que já está rolando uma energia positiva em relação a 'O Agente Secreto'. Fernanda falou isso, o brasileiro sabe como o Brasil é incrível, e aí quando algo vai para fora, é como se fosse uma representação do país, e saber que tem um filme brasileiro que é bom, que funciona e que é universal viajando, traz uma energia positiva muito boa.
A internet não tem fronteira, você tem gente colaborando postando coisa na Espanha, Portugal, Canadá, Austrália, Nova Zelândia.
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