O que revela o filme 'O Acontecimento' adaptado da obra de Annie Ernaux, Nobel da Literatura?

Annie Ernaux-EPA-Efe-Cati-Cladera.jpg

Nobel de Literatura vai para Annie Ernaux, autora de O Acontecimento

O filme de Audrey Diwan, O acontecimento, adaptação da obra maior de Annie Ernaux, mergulha no que é intimo mas nunca nos parece intrusivo, nós somos parte - acompanhamos, vivemos - tudo.


Os 90 anos de vida de Simone Veil atravessaram grande parte do seculo 20.

Esta mulher valente, combatente por ideais, faleceu há 5 anos.

O corpo está sepultado no Panteão de Paris, onde são celebrados grandes de França, nas artes, nas ciências, no pensamento, na politica.

Simone Veil é uma sobrevivente do Holocausto

Foi a primeira mulher presidente do Parlamento Europeu.

Em 1975, no parlamento de França, esta mulher política tenaz tinha conseguido fazer aprovar a lei de descriminalização e despenalização do aborto.

É a lei Veil – que ela aprovou e defendeu num debate lendário que se prolongou por 25 horas num parlamento com apenas 9 deputadas e 481 deputados..

Veil era ministra da saúde no governo de Jacques Chirac – com Giscard d'Estaing presidente da República francesa - eles lideravam a maioria de centro-direita mas grande parte dessesw deputados à direita – nem queria ouvir falar de aborto, muito menos aprovar uma lei de despenalização.

Ela conseguiu, há 47 anos.

Mas ao longo dos anos foi sempre alertando cuidado – o que se conseguiu não é irreversível.

Este alerta de Simone Veil foi premonitório. Note-se o que está a acontecer nos Estados Unidos da América.

Ali vários estados estão a servir-se de uma decisão do Supremo Tribunal, que reverteu a decisão anterior – e esses estados estão a proibir outra vez a interrupção voluntária de gravidez.

Há um documento – o filme que arrebatou o Leão de Ouro – no ano passado no Festival de Veneza, título: O Acontecimento.

É um filme que nos conta de modo nu, sem artifícios a intimidade de uma mulher, a primeira universitária numa família operária.

Aos 23 anos, na sequência de uma relação casual, se descobre gravida e que sente que tem de abortar.

O filme, realizado pla franco libanesa Audrey Diwan, põe-nos dentro da história que é contada.

Vivemos aquela angústia – o pesadelo – o desespero.

A experiência daquela mulher jovem que sente necessidade de ocultar que se aterroriza com o estigma que antecipa.

Que tem vergonha de contar à família o que lhe está a acontecer – e que sente vergonha de ter vergonha.

Mas tudo a leva a sentir que deve interromper a gravidez, tem de abortar.

O filme de Audrey Diwan mergulha no que é intimo mas nunca nos parece intrusivo, nós somos parte - acompanhamos, vivemos - tudo.

A barriga que está a crescer, o tempo que vai escasseando para conseguir o aborto, a cadeia de factos e sentimentos, as dúvidas, a solidão, a decisão.

Até que ficamos diante da agulha de tricotar daquele desespero daquele aborto clandestino.

Um aborto – em qualquer circunstância é sempre um drama.

Esta história passa-se na França de antes da lei Veil. Mas também tem atualidade e pertinência.

Há muitos lugares do mundo onde, tragicamente, continua a ser assim.

Mas a história começou por ser autobiográfica, um autoretrato escrito em livro por uma das extraordinárias escritoras do nosso tempo.

Uma mulher que em todos os livros conta o vivido – expande o relato com - chamemos-lhe alguma autoficção.

Escrita sempre com inteligência, com sensibilidade, com sobriedade. Escrita incisiva, límpida, belíssima.

Com um bisturi a testar qual é a palavra mais certeira, uma artesã com as palavras, é assim a escrita superlativa de Annie Ernaux – agora premiada com o Nobel.

Annie Ernaux a filha de merceeiros numa aldeia da Normandia que se fez professora de literatura.

Escritora de mais de 20 livros em todos ela cruza experiencia pessoal, portanto autobiografia.

Com reportagem – com alguma dose de ficção resulta análise sociológica - a escrita dela transpira sociologia e sempre literatura.

Ela expõe-se - despojada na escrita. Trata temas com tabu, a violação, o aborto, a paixão amorosa, o casamento.

Lemos o que Annie Ernaux escreve e sentimos que é genuino – e tudo é humano.

Nesta mulher de 82 anos – assumidamente à esquerda, vale voltarmos a ver O Acontecimento – o filme

A ler O Acontecimento – o livro que lhe dá a história

E tudo a seguir a este acontecimento que é o Nobel para Annie Ernaux.

ao vivo às quartas e domingos ao meio-dia ou na hora que quiser na nossa página.


Share
Follow SBS Portuguese

Download our apps
SBS Audio
SBS On Demand

Listen to our podcasts
Independent news and stories connecting you to life in Australia and Portuguese-speaking Australians.
What was it like to be diagnosed with cancer and undergo treatment during the COVID-19 pandemic?
Get the latest with our exclusive in-language podcasts on your favourite podcast apps.

Watch on SBS
Portuguese News

Portuguese News

Watch in onDemand