Um tratado é um acordo legalmente vinculativo, ou seja, que tenha força legal, negociado entre diferentes grupos ou partes. No caso desta reportagem, entre os povos aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres e o governo australiano.
Quando os britânicos se estabeleceram pela primeira vez em terras aborígenes, declararam o continente como "terra nullius", ou seja, decidiram que estas terras que não pertenciam a ninguém. Portanto, não viram necessidade de negociar com as nações aborígenes para se estabelecerem aqui. Muitos australianos indígenas entendem que isso é um "assunto inacabado".
Os tratados são construídos sobre o reconhecimento da soberania. No entanto, podem assumir muitas formas e abranger uma gama de questões a serem resolvidas.
Por exemplo, podem incluir acordos sobre o compartilhamento de terras, recursos e governança conjunta.
Ao contrário de países como os Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia, a Austrália nunca teve um tratado com seus povos das Primeiras Nações.
De uma perspectiva indígena, um tratado significa reconhecer o que aconteceu no passado, proteger os direitos e garantir que as comunidades aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres tenham uma voz real nas decisões que as afetam.
O especialista jurídico Harry Hobbs explica.
"Idealmente, os tratados seriam negociados entre as comunidades aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres, de um lado, e os governos estaduais e federal, de outro, pois a Constituição australiana divide os poderes entre o parlamento federal e os parlamentos estaduais."
Como existem centenas de povos aborígenes distintos na Austrália, cada um com línguas e territórios próprios, as negociações podem ser complexas. Há também muitas perspectivas diferentes sobre quais devem ser as prioridades.
Então, por que um tratado é importante?
Muitos povos aborígenes e das Ilhas do Estreito de Torres acreditam que seria um passo em direção à justiça e ao respeito.
Reuben Berg, homem Gunditjmara e líder do movimento pelo tratado, explica sua visão:
"Acho que o tratado é fundamental, pois trata-se de redefinir a relação entre os povos originários e o governo, seja em nível estadual ou federal."
Os defensores do tratado afirmam que poderia fazer uma grande diferença em muitos aspectos.
Eles acreditam que poderia reconhecer formalmente os povos aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres como os primeiros povos da Austrália e criar espaço para a mostrar a verdade sobre a história e a colonização do país.
Um tratado também poderia ajudar a construir parcerias justas entre governos e comunidades em assuntos importantes como terra, água, saúde, educação, moradia, empregos e desenvolvimento econômico.
Muitos membros das Primeiras Nações também veem o tratado como uma forma de proteger e fortalecer suas línguas, culturas e lugares sagrados, ajudando a manter essas tradições vivas para as futuras gerações.
Tony McAvoy, advogado e membro do povo Wirdi, explica:
"Quando somos capazes de controlar nossas próprias vidas, tomar decisões por nós mesmos e prover nossos próprios serviços, estamos mais saudáveis, fortes e plenos espiritual e culturalmente. Se você aceitar que essa é uma das consequências do tratado, isso certamente será bom para o resto do país."
A senadora Lidia Thorpe, uma mulher das etnias Gunnai, Gunditjmara e Djab Wurrung, tem sido uma defensora ferrenha do tratado.
Ela acredita que as comunidades locais precisam liderar o processo.
"Acho que precisamos ter clãs e nações representados no nível do governo local. É nessas comunidades locais que podemos fazer mudanças reais."
Então, qual é o status hoje na Austrália em relação a um possível tratado?
No fim de outubro, Victoria adotou uma lei para estabelecer o primeiro tratado do país com os povos das Primeiras Nações. O Projeto de Lei do Tratado Estadual cria um órgão democraticamente eleito para representar os povos das Primeiras Nações e aconselhar o governo estadual sobre leis e políticas que impactam seus direitos e interesses.
Por meio de um grupo eleito chamado Assembleia dos Povos Indígenas de Victoria, os australianos indígenas terão uma voz permanente na formulação de leis e políticas sobre questões que lhes dizem respeito.
Em outros lugares, como Queensland, Nova Gales do Sul, Austrália do Sul e Território do Norte, o progresso está em estágios diferentes.
Alguns governos estão realizando consultas públicas, enquanto outros ainda planejam os próximos passos.
Um tratado nacional criaria um acordo único para toda a Austrália, enquanto os estaduais e territoriais se concentram nas prioridades locais e nas necessidades de cada comunidade.
Muitos defensores dos direitos indígenas acreditam que o país precisa tanto de tratados nacionais quanto estaduais para promover mudanças reais e duradouras.
Como cada comunidade tem sua própria história e necessidades. Cada tratado seria um pouco diferente.
Portanto, além do seu significado jurídico, o tratado também diz respeito a relacionamentos; à forma como os australianos, tanto indígenas quanto não indígenas, escolhem viver e trabalhar juntos. Para muitos, ele é visto como um passo em direção a um país mais justo e unido, onde cada história e comunidade tenha seu lugar.
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