O que os povos das Primeiras Nações querem que você saiba sobre tratados no país

VICTORIA INDIGENOUS TREATY BILL

A governadora de Victoria, Jacinta Allan, cumprimenta Rueben Berg, líder do movimento pelo tratado em Victória: o estado é o primeiro do país a ter um acordo com força legal para ouvir os povos das Primeiras Nações nos assuntos que lhes dizem respeito. (AAP Image/James Ross) Source: AAP / JAMES ROSS/AAPIMAGE

Diferentemente de países como EUA, Canadá e Nova Zelândia, a Austrália não possui um tratado nacional que reconheça seus povos das Primeiras Nações ou os direitos deles. Aqui, contextualizamos o que é um tratado neste caso, por que ele é importante para muitos povos originários e o atual status desta conversa no país.


Um tratado é um acordo legalmente vinculativo, ou seja, que tenha força legal, negociado entre diferentes grupos ou partes. No caso desta reportagem, entre os povos aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres e o governo australiano.

Quando os britânicos se estabeleceram pela primeira vez em terras aborígenes, declararam o continente como "terra nullius", ou seja, decidiram que estas terras que não pertenciam a ninguém. Portanto, não viram necessidade de negociar com as nações aborígenes para se estabelecerem aqui. Muitos australianos indígenas entendem que isso é um "assunto inacabado".

Os tratados são construídos sobre o reconhecimento da soberania. No entanto, podem assumir muitas formas e abranger uma gama de questões a serem resolvidas.

Por exemplo, podem incluir acordos sobre o compartilhamento de terras, recursos e governança conjunta.

Ao contrário de países como os Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia, a Austrália nunca teve um tratado com seus povos das Primeiras Nações.

De uma perspectiva indígena, um tratado significa reconhecer o que aconteceu no passado, proteger os direitos e garantir que as comunidades aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres tenham uma voz real nas decisões que as afetam.

O especialista jurídico Harry Hobbs explica.

"Idealmente, os tratados seriam negociados entre as comunidades aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres, de um lado, e os governos estaduais e federal, de outro, pois a Constituição australiana divide os poderes entre o parlamento federal e os parlamentos estaduais."

Como existem centenas de povos aborígenes distintos na Austrália, cada um com línguas e territórios próprios, as negociações podem ser complexas. Há também muitas perspectivas diferentes sobre quais devem ser as prioridades.

Então, por que um tratado é importante?

Muitos povos aborígenes e das Ilhas do Estreito de Torres acreditam que seria um passo em direção à justiça e ao respeito.


Reuben Berg, homem Gunditjmara e líder do movimento pelo tratado, explica sua visão:

"Acho que o tratado é fundamental, pois trata-se de redefinir a relação entre os povos originários e o governo, seja em nível estadual ou federal."

Os defensores do tratado afirmam que poderia fazer uma grande diferença em muitos aspectos.

Eles acreditam que poderia reconhecer formalmente os povos aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres como os primeiros povos da Austrália e criar espaço para a mostrar a verdade sobre a história e a colonização do país.

Um tratado também poderia ajudar a construir parcerias justas entre governos e comunidades em assuntos importantes como terra, água, saúde, educação, moradia, empregos e desenvolvimento econômico.

Muitos membros das Primeiras Nações também veem o tratado como uma forma de proteger e fortalecer suas línguas, culturas e lugares sagrados, ajudando a manter essas tradições vivas para as futuras gerações.

Tony McAvoy, advogado e membro do povo Wirdi, explica:

"Quando somos capazes de controlar nossas próprias vidas, tomar decisões por nós mesmos e prover nossos próprios serviços, estamos mais saudáveis, fortes e plenos espiritual e culturalmente. Se você aceitar que essa é uma das consequências do tratado, isso certamente será bom para o resto do país."

A senadora Lidia Thorpe, uma mulher das etnias Gunnai, Gunditjmara e Djab Wurrung, tem sido uma defensora ferrenha do tratado.

Ela acredita que as comunidades locais precisam liderar o processo.

"Acho que precisamos ter clãs e nações representados no nível do governo local. É nessas comunidades locais que podemos fazer mudanças reais."

Então, qual é o status hoje na Austrália em relação a um possível tratado?

No fim de outubro, Victoria adotou uma lei para estabelecer o primeiro tratado do país com os povos das Primeiras Nações. O Projeto de Lei do Tratado Estadual cria um órgão democraticamente eleito para representar os povos das Primeiras Nações e aconselhar o governo estadual sobre leis e políticas que impactam seus direitos e interesses.

Por meio de um grupo eleito chamado Assembleia dos Povos Indígenas de Victoria, os australianos indígenas terão uma voz permanente na formulação de leis e políticas sobre questões que lhes dizem respeito.

Em outros lugares, como Queensland, Nova Gales do Sul, Austrália do Sul e Território do Norte, o progresso está em estágios diferentes.

Alguns governos estão realizando consultas públicas, enquanto outros ainda planejam os próximos passos.

Um tratado nacional criaria um acordo único para toda a Austrália, enquanto os estaduais e territoriais se concentram nas prioridades locais e nas necessidades de cada comunidade.

Muitos defensores dos direitos indígenas acreditam que o país precisa tanto de tratados nacionais quanto estaduais para promover mudanças reais e duradouras.

Como cada comunidade tem sua própria história e necessidades. Cada tratado seria um pouco diferente.

Portanto, além do seu significado jurídico, o tratado também diz respeito a relacionamentos; à forma como os australianos, tanto indígenas quanto não indígenas, escolhem viver e trabalhar juntos. Para muitos, ele é visto como um passo em direção a um país mais justo e unido, onde cada história e comunidade tenha seu lugar.

Para ouvir, clique no botão 'play' desta página.


Ouça os nossos podcasts. Escute o programa ao vivo da SBS em Português às quartas-feiras e domingos ao meio-dia. Assine a 'SBS Portuguese' no SpotifyApple PodcastsiHeart PodcastsPocketCasts ou na sua plataforma de áudio favorita.

Share
Follow SBS Portuguese

Download our apps
SBS Audio
SBS On Demand

Listen to our podcasts
Independent news and stories connecting you to life in Australia and Portuguese-speaking Australians.
What was it like to be diagnosed with cancer and undergo treatment during the COVID-19 pandemic?
Get the latest with our exclusive in-language podcasts on your favourite podcast apps.

Watch on SBS
Portuguese News

Portuguese News

Watch in onDemand