O brasileiro Arthur Santos Macedo, de 19 anos, se mudou para a Austrália com os pais e a irmã quando tinha nove anos. Depois de mais de uma década em Perth, a sua família ainda espera a aprovação da residência permanente, vivendo há mais de cinco anos com um visto provisório (bridging visa C). Recentemente, Arthur foi agredido em um protesto anti-imigração.
Arthur participou da Marcha para Austrália com amigos em Perth, um protesto anti-imigração realizado em várias cidades no dia 31 de agosto. Ele filmava um vídeo entrevistando participantes enquanto vestia a camisa da seleção brasileira.

A agressão a Arthur Macedo ocorreu em Perth no contexto dos protestos anti-imigração organizadas em agosto nas principais cidades da Austrália. (AAP Image/Dean Lewins) NO ARCHIVING Source: AAP / DEAN LEWINS/AAPIMAGE
“Eu fui ao protesto porque eu queria me posicionar por mim e por pessoas como eu. A atmosfera estava tensa desde o início. Pessoas gritando, apontando, berrando. Mas eu me mantive firme e de cabeça erguida ao lado de amigos e de pessoas que se importam comigo."
Eu vesti a camisa da seleção brasileira de propósito. Foi a minha maneira de dizer: eu estou aqui, eu pertenço a este país e eu não vou me esconder.Arthur Macedo.
Logo no começo do vídeo, Arthur aparece feliz quando um australiano entrevistado por ele diz diante da câmera: “No fim das contas, todo mundo é imigrante. A menos que você seja aborígene, você é imigrante neste país”.

“Fisicamente, a agressão doeu, mas emocionalmente foi pior"
O confronto, que foi registrado em vídeo por Arthur e seus amigos, mostra um homem gritando “Quer me filmar, seu filho da p***? O que você está fazendo no nosso parque, no nosso protesto, filmando esse seu videozinho g*y de mer**? Cai fora! Volta para o seu país, seu filho da p***.”
Apesar de perceber que estava sendo filmado, o homem avançou em sua direção, segurou Arthur pelo pescoço e ameaçou “quebrar um skate” em seu rosto - tudo isso diante de uma multidão de espectadores.
“Um homem veio em minha direção e no começo achei que ele só ia gritar comigo. Mas ele avançou e me agarrou pelo pescoço. Meu corpo paralisou e senti aquela onda de choque e adrenalina.
Fisicamente, doeu, mas emocionalmente foi pior. Eu queria permanecer firme, mas a verdade é que aquilo me abalou.”
Mesmo com a agressão ter sido registrada em vídeo, Arthur decidiu não denunciar seu suposto agressor à polícia.
Apesar de perceber que estava sendo filmado, o homem avançou em sua direção, segurou Arthur pelo pescoço e ameaçou “quebrar um skate” em seu rosto - tudo isso diante de uma multidão de espectadores.
“Não registrei boletim de ocorrência porque cresci sabendo como o sistema é complicado para imigrantes como eu. Estou em um visto provisório, e qualquer contato com a polícia, mesmo como vítima, pode ser arriscado. Sempre existe o medo de que isso acabe prejudicando meu processo de residência permanente.
Mais do que isso, eu não queria que esse momento virasse apenas papelada ou um boletim de ocorrência. Eu queria que as pessoas vissem a realidade. Não é possível que alguém ache normal eu ser agredido fisicamente por usar uma camisa do Brasil num protesto anti-imigração.”
“Sou brasileiro e tenho orgulho disso”
Após o incidente, o suposto agressor se afastou, e vários espectadores se aproximaram para confortar Arthur. Um deles foi um australiano que se diz a favor da marcha anti-imigração, mas afirmou ser contra a agressão física:
“Eu estou aqui para defender o povo da Austrália. E você não merecia essa agressão - você não fez nada para merecer isso. Este é um lugar livre. Se você quiser vir se apresentar aqui, você tem todo o direito. Então, não se intimide. Ele não representa a Austrália, e também não representa as pessoas que participaram da marcha.”
Em seguida, os dois compartilharam um abraço registrado no vídeo.
“Teve um homem que se aproximou, me abraçou e me lembrou que, mesmo em momentos de conflito, eu precisava mostrar quem eu sou. Sou brasileiro e tenho orgulho disso. O mundo precisa ver que estamos aqui, que contribuímos e que pertencemos a este país”, disse Arthur.
O que significa crescer sem cidadania na Austrália
Quando perguntado sobre como se sente hoje, depois de passar a maior parte da vida na Austrália, mas ainda ser considerado um imigrante sem residência permanente, Arthur disse:
“Crescer aqui não foi fácil. Minha primeira memória clara de não pertencer, de ser rejeitado, foi no quinto ano da escola. As crianças zombavam do meu sotaque e do meu jeito de falar inglês.
Eu tentava dar o meu máximo para me encaixar, para ser visto como igual, mas este privilégio não era garantido para mim.
Eu passei a maior parte da minha vida num limbo, entre diferentes culturas - enfrentando um sistema que trata imigrantes como cidadãos de segunda classe”.
A espera pelo direito de pertencer
Arthur diz que o dia mais feliz da sua vida será quando se tornar um cidadão permanente.
“Eu quero me tornar cidadão australiano porque eu cresci aqui. Eu estudei aqui. Fiz amigos aqui. Aprendi a falar inglês. E eu me adaptei não só ao idioma, mas também à cultura, aos valores e ao modo de viver. Mesmo tendo sotaque, hoje eu falo inglês melhor do que português, porque foi aqui que eu me formei como pessoa.
Eu amo este país. Amo a diversidade, a cultura, os privilégios, a liberdade e o estilo de vida. No fundo, tudo o que eu quero, é o que eu já queria quando cheguei aqui, aos 9 anos de idade: pertencer. Ter os mesmos direitos e oportunidades que qualquer outra pessoa.
Poder estudar, trabalhar e viver livremente. Depois de tantos anos, eu não sou apenas um imigrante recente - eu faço parte desta nação.
Conquistar a residência permanente e a cidadania seria a realização de um sonho de dez anos. Seria o dia mais feliz da vida da minha família.”
“Como pai, fiquei preocupado quando meu filho me disse que queria ir ao protesto”
O pai de Arthur, Marcelo José Macedo, de 45 anos, trabalha como engenheiro de software, enquanto a mãe atua na área de educadora infantil.
Quando Marcelo assistiu ao vídeo do incidente compartilhado online, ele disse que não ficou surpreso com o que aconteceu, mas que ver o filho sendo atacado foi uma cena difícil de encarar.
“Como pai, fiquei preocupado quando meu filho me disse que queria ir ao protesto anti-imigração. Depois que assisti ao vídeo, não fiquei surpreso com a agressão. Eu já vi o suficiente do mundo para saber que o racismo e o preconceito existem em todos os lugares, não apenas na Austrália.
Mas ainda assim, doeu muito ver meu filho sendo agredido por ele ser quem ele é: um imigrante brasileiro.”
Uma vida sem estabilidade, mesmo pagando impostos
Segundo Marcelo, esperar pelo resultado do processo de imigração está longe de ser fácil, pois o visto temporário não lhes garante estabilidade.
“Meus filhos não podem ir para a universidade porque as taxas para estudantes internacionais são altíssimas. Minha esposa sonha em voltar à universidade para se qualificar para um emprego melhor, mas isso também está fora de alcance. Até algo tão básico como moradia é mais difícil.”
“Nunca conseguimos comprar uma casa porque, sem a residência, os custos são muito mais altos. Alugar também é um desafio, pois os proprietários olham para nossa aplicação e veem instabilidade e um visto que não garante permanência. Não importa quão boa seja a minha renda, muitos simplesmente não nos aceitam”.
O efeito que protestos anti-imigração causam nos imigrantes
No final do podcast, o pai de Arthur refletiu sobre os impactos dos protestos anti-imigração e também sobre o tão esperado dia em que sua família poderá oficialmente chamar a Austrália de lar.
“É isso que torna esses protestos anti-imigrantes tão frustrantes. Muitas pessoas não percebem o quanto imigrantes como nós contribuem para a economia e para a sociedade australiana.
Seguimos todas as regras, construímos nossas vidas aqui e queremos fazer parte do futuro deste país. Mas momentos como esse nos lembram que a aceitação não é garantida - mesmo depois de tudo o que já fizemos. Ainda assim, mantenho a esperança.
Eu espero muito pelo dia em que este processo de visto termine, quando finalmente poderemos nos chamar de residentes permanentes, quando poderemos nos reunir com nossa filha e deixar de viver à sombra da incerteza. Até lá, seguimos em frente: trabalhando, contribuindo e esperando.”
Além das estatísticas
O Instituto Australiano de Estatística publicou em 2024 que quase um terço da população australiana nasceu fora do país, o que equivale a mais de 8,6 milhões de imigrantes vivendo atualmente na Austrália.
O governo federal afirmou que a migração qualificada é essencial para suprir a falta de mão de obra e apoiar a economia.
A história de Arthur nos lembra que por trás de cada estatística existem pessoas reais: com identidades, resiliência, talento e o desejo de pertencer.
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