Lídia Jorge assentou em 10 de junho num dos discursos que marcam este nosso ano, o discurso do dia de Portugal: "Cada um de nós é uma soma. Aqui ninguém tem sangue puro. Tem sangue do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou. Filhos do pirata e do que foi roubado. Mistura daquele que punia até à morte e do misericordioso que lhe limpava as feridas."
Lídia Jorge, mulher sábia, digna e livre, sempre com outro grande, o filósofo Eduardo Lourenço como referência. Numa entrevista ao diário El País, Lídia cita, precisamente, o autor do Labirinto da Saudade, ele, Eduardo Lourenço: "Temos uma dor fantasma, como se um braço tivesse sido amputado e continuássemos a sentir a dor. Houve uma amputação, o império colonial, e há dor que persiste."
Lídia Jorge entende que a literatura, a arte e a história têm revisitado bem esse passado (diga-se que com rico contributo dela). Com uma lente que trata de criar uma justiça e de mostrar como estávamos fora do tempo.
No discurso - que é sempre oportuno recupera - do dia de Portugal em Lagos, Lídia Jorge questionou o nosso tempo: "O que passará a ser um ser humano? Porque os cidadãos estão apenas público, que assiste a espetáculos em ecrãs de bolso. Porque nos deslocamos à velocidade dos meteoros e estamos cercados de fios invisíveis que nos ligam para o espaço. Estamos cidadãos que regrediram à subtil designação de seguidores."
Lídia Jorge acaba de ser distinguida com mais duas honras: o prémio Pessoa e o doutoramento honoris causa na Universidade dos Açores - lá em ponta delgada retomou alertas:
"Como nunca antes, é possível hoje anunciar que um barco afundou enquanto ele navega livremente sem qualquer problema".
E Lídia Jorge deixou a convicção de que "a memória histórica, o pensamento filosófico, o domínio da linguagem nas suas articulações mais sofisticadas, que a poética permite, promovendo o pensamento crítico e a imaginação libertadora, têm de estar presentes no tempo da prodigiosa cultura digital, da robótica, dos programas cibernéticos que se dirigem para a viagem no cosmos”.
Lídia Jorge tem esperança de que os jovens adotem uma nova ideologia “que combata a brutalidade das palavras e das ações primitivas do domínio de uns sobre os outros pela força bruta”.
Estamos a entrar numa época de prendas, é sabido que livros que valem são sempre boa ideia, vamos a sugestões. Podíamos começar pelo Dia dos Prodígios primeiro de Lídia Jorge, em 1980, mas vamos a 2 dos 3 mais recentes da artista: Misericórdia e Os Memoráveis.
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