Doze anos depois da última grande mobilização, Portugal viveu essa semana uma greve geral contra a reforma governamental das leis laborais.
Pequenas lojas vendiam café e 'raspadinhas' (a loteria instantânea que 100 mil portugueses têm como esperança tentar escapar à pobreza). Estavam abertos supermercados e lojas de luxo na Avenida da Liberdade.
O dia decorreu sem incidentes.
A greve foi massiva em sectores como os transportes, a educação, a saúde, o serviço público, a recolha de lixo e grandes indústrias de laboração contínua como a Autoeuropa (quase 5 mil trabalhadores na fábrica de automóveis VW, outros 5 mil nas associadas).
No setor da saúde, registaram-se repercussões generalizadas, com uma participação superior a 90%, o que obrigou ao cancelamento de consultas e cirurgias não urgentes. Tanto os centros de saúde como algumas unidades hospitalares suspenderam as suas atividades.
As escolas fecharam em quase todo o país, obrigando muitos pais a ficarem em casa com os filhos. O teletrabalho tornou-se uma opção para quem não quis aderir ao protesto contra a reforma laboral apresentada pelo governo no final de agosto.
O projeto de lei caiu como uma bomba nos sindicatos, ao ponto de gerar uma rara união.
Em Portugal, não é comum que as duas maiores maiores federações sindicais —CGTP e UGT— concordem em estratégias. Desta vez, concordaram que a reforma laboral proposta pelo governo é tão rejeitada pelos trabalhadores que não cederam um milímetro desde o anúncio da greve conjunta, à qual aderiram sindicatos mais pequenos e sectoriais.´
Nem a UGT, organização com ligações tanto ao Partido Socialista como ao Partido Social Democrata (PSD, centro-direita), liderado pelo actual primeiro-ministro Luís Montenegro, recuou, apesar das tentativas do Governo para conquistar o apoio do sindicato, mais flexível.
O governo fez ligeiras alterações à sua proposta inicial, como a eliminação da exigência de atestado médico de amamentação para o acesso à licença de maternidade. Mas estas alterações são mínimas num pacote laboral que os sindicatos consideram inaceitável.
A proposta dgovernamental modifica várias leis, decretos-lei e quase uma centena de artigos do Código do Trabalho. O principal objectivo, segundo a Ministra do Trabalho, Rosário Palma Ramalho, é adaptar o mercado às condições futuras e afastar-se do que ela considera regulamentos concebidos para o passado. A proposta do governo conta com a simpatia dos empregadores.
Se as alterações propostas forem aprovadas na sua forma atual, a insegurança laboral aumentará, uma vez que os contratos temporários poderão ter uma duração maior (até um máximo de três ou cinco anos, dependendo do tipo de contrato).
Será ainda criada uma brecha para o prolongamento do horário de trabalho sem compensação financeira, através da criação de um banco de horas individual, negociado entre o empregador e o trabalhador. Este sistema permite aos empregadores prolongar o horário de trabalho em duas horas por dia (até 50 horas por semana), embora este limite seja de 150 horas por ano. Os colaboradores só receberão o pagamento por essas horas extraordinárias se a empresa não os compensar com folgas.
O pagamento destas horas extraordinárias é utilizado por muitos para compensar os baixos salários, que não acompanharam o custo de vida. O salário mínimo é de 870€. Os dados mais recentes do Eurostat mostram que Portugal é um dos dez países da UE onde os trabalhadores a tempo inteiro têm o salário médio mais baixo: 24.818€ em 2024, em comparação com a média da UE de 39.800€.
A terceira medida mais contestada pelos sindicatos é a revogação do artigo que impedia as empresas de externalizar serviços durante um ano após o despedimento dos seus próprios funcionários. Por exemplo, os trabalhadores despedidos injustamente deixariam de ter direito à reintegração caso um juiz acatasse o pedido do empregador para que a reintegração não se verificasse por considerar que esta prejudicaria as operações da empresa.
A reforma proposta afeta também as medidas de equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal. Uma das mais criticadas é a redução do tempo máximo permitido para a redução do horário de trabalho para amamentação e a exigência de apresentação de atestado médico comprovativo de que a trabalhadora está a amamentar o seu filho após os doze meses de idade.
Para ouvir, clique no botão 'play' desta página.
Ouça os nossos podcasts. Escute o programa ao vivo da SBS em Português às quartas-feiras e domingos ao meio-dia. Assine a 'SBS Portuguese' no Spotify, Apple Podcasts, iHeart Podcasts, PocketCasts ou na sua plataforma de áudio favorita.




