Políticas do governo alinhadas com a direita mais ultra geram discussão em Portugal

Portuguese Prime Minister Receives Opposition Leaders To Prepare for NATO Summit

André Ventura, o líder do Chega, durante recepção por Luís Montenegro: o primeiro-ministro, que em maio reforçou a sua maioria parlamentar, decidiu abraçar bandeiras que até agora só tinham sido defendidas pelo Chega. (Photo by Horacio Villalobos#Corbis/Corbis via Getty Images) Credit: Horacio Villalobos/Corbis via Getty Images

A revisão do Código do Trabalho e a imigração são bandeiras que o primeiro-ministro Luís Montenegro tem mostrado proximidade maior com as ideias do Chega, o partido de extrema-direita que teve ascensão meteórica nas eleições recentes.


A primeira alínea do artigo 47 do Código do Trabalho em Portugal define que a mãe tem direito a dispensa de prestação de trabalho por dois períodos diários de até uma hora cada para amamentação do filho, bastando para isso apresentar um certificado médico de que a mãe amamenta o filho. A lei possibilita a alternativa de aleitação or parte do pai, com a mesma dispensa de tempo diário de trabalho.

Este tema é uma das polémicas que envolvem a novidade que é a iniciativa da ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, de revisão de “mais de uma centena de artigos do Código de Trabalho”, entre elas, precisamente o que se refere à amamentação. A ministra pretende atestados médicos semestrais e que a amamentação ou aleitação termine aos dois anos do bebé.

Está desencadeada grande contestação, por parte de toda a oposição ao governo de centro-direita da AD: protestam as esquerdas e protesta a ultra-direita do Chega.

Todos argumentam que o programa eleitoral da AD, coligação PSD/CDS que venceu as eleições e forma o governo de Portugal, prometia mais apoio às famílias, mais proteção às mulheres e mais investimento na parentalidade.

Ora, não só esta limitação à amamentação aponta no sentido contrário, como no programa eleitoral da AD não há qualquer referência à revisão do Código do Trabalho.

A ministra afirmou que intervém sobre a amamentação para evitar abusos. Sucederam-se exigências à ministra que esclareça que abusos são esses – a pressão foi muita e o ministério do Trabalho teve de reconhecer que não tem conhecimento de casos.

As alterações previstas na proposta – designada “Trabalho XXI” e que o Governo apresenta como uma revisão “profunda” da legislação laboral – visam desde a área da parentalidade (com alterações nas licenças parentais, amamentação e luto gestacional) ao trabalho flexível, formação nas empresas ou período experimental dos contratos de trabalho, prevendo ainda um alargamento dos setores que passam a estar abrangidos por serviços mínimos em caso de greve.

A ministra afirma que o objetivo é flexibilizar regimes laborais “que são muito rígidos”, de modo a aumentar a “competitividade da economia e promover a produtividade das empresas”. Tem sido uma reivindicação das confederações patronais.

Há em Portugal o reconhecimento de que o governo está a pretender mudar em velocidade de cruzeiro o quadro legal, seja sobre a imigração, limitando-a, seja sobre o trabalho. Também o que as esquerdas denunciam ser a exclusão da educação sexual e reprodutiva dos programas escolares.

Os sinais começaram durante o primeiro mandato do primeiro-ministro Luís Montenegro e intensificaram-se no segundo. Montenegro, que está há 15 meses à frente da coligação conservadora AD, elegeu as leis da imigração e da nacionalidade como prioridades para os seus primeiros meses, como se ambas fossem os principais problemas do país e não o défice habitacional ou as deficiências do Serviço Nacional de Saúde.

Como sempre na política, esta não é uma decisão inocente. O primeiro-ministro, que em maio reforçou a sua maioria parlamentar, embora aquém da maioria absoluta, decidiu abraçar bandeiras que até agora só tinham sido defendidas pelo Chega. O partido de extrema-direita fundado por André Ventura, que teve uma ascensão meteórica para se tornar a segunda maior força em seis anos, está a apoiar-se num punhado de questões. Uma delas é a gestão da imigração, aproveitando os erros cometidos pelo governo socialista de António Costa, que acabariam por provocar meses de atraso nos pedidos de regularização de mais de 400 mil estrangeiros.

Embora Montenegro e Ventura tenham tido uma relação de desconfiança durante os 13 meses do mandato anterior, o crescimento eleitoral de ambos levou-os a romper com o entrincheiramento. Ventura, porque quer projetar uma imagem de estadista disposto a fazer concessões, e Montenegro, porque quer conquistar o eleitorado mais à direita, mesmo à custa do afastamento dos princípios fundadores do seu partido (o Partido Social-Democrata), que tinha raízes na social-democracia. Juntos, aprovaram legislação que torna mais rigorosos os requisitos de entrada para os imigrantes e para que estes reúnam as suas famílias. É legislação que o Presidente da República está a colocar em questão – sendo que ele, Marcelo Rebelo de Sousa, é oriundo do PSD, partido líder da coligação governamental.

Enquanto está ainda em aberto como vai ficar a legislação sobre migrantes, em concreto, está por definir o que vai mudar, agora irrompe a polémica sobre a mexida nas leis do trabalho – com a esquerda e os sindicatos a denunciar ataque aos direitos dos trabalhadores e benefício para os empregadores.

Um perito em Direito do Trabalho, António Casimiro Ferreira, professor e investigador na Faculdade de Ecnomia da Universidade de Coimbra chama atenção para o valor que teve em Portugal, nas últimas décadas, o Conselho de Concertação Social, onde dialogam à mesmo mesa governo, empregadores e sindicatos, levando a que a legislação doo trabalho, até agora, tenha resultado de acordos entre todas as partes. Nota, no entanto, que o bem desse consenso está a perder-se.
 
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