Resumo da reportagem:
- Como é a prostituição como profissão para imigrantes na Austrália
- Profissionais do sexo no país tem que escolher entre cumprir leis ou preservar sua segurança
- Os brasileiros Luca, Leilande e Thales falam sobre trabalhar na indústria do sexo na Austrália
Atenção: este conteúdo é considerado sensível e contém informações e depoimentos relacionados a prostituição, exploração e abuso sexual.
Cada estado australiano possui leis distintas e específicas em relação ao trabalho sexual. A Scarlet Alliance, Associação Australiana de Profissionais do Sexo, atua desde 1989 em defesa da descriminalização da profissão em todo o país.
No podcast A prostituição como profissão: relatos de brasileiros na Austrália, a SBS em Português conversou com três imigrantes brasileiros que compartilham as suas experiências na indústria do sexo pago.
Para conferir a história do Luca, estudante internacional que atuou como profissional do sexo por quatro meses em Melbourne para juntar dinheiro para a renovação do visto dele, clique aqui.
Se quer conhecer a história do Thales, que trabalha como garoto de programa na Austrália há seis anos e atua em diversas capitais do país, acesse este link.
A segunda entrevista é com a Leilande, de 38 anos, que diz não ter problema em revelar a sua verdadeira identidade: “toda a minha família e amigos sabem da minha história e a minha vida não tem segredos”. Ela pretende escrever um livro contando parte das suas experiências.
Infância
“Minha infância foi intensa e marcada por abusos. Eu parei de estudar na 4ª série do ensino fundamental. A minha mãe me teve muito jovem. O meu pai abusava sexualmente de mim e abandonou minha mãe quando ela engravidou do meu irmão."
Minha infância foi intensa e marcada por abusos. Meu pai abusava sexualmente de mim e depois meu padrasto fez o mesmo.Leilande Santos Walker
"Depois disso, ela se casou novamente e o meu padrasto também passou a abusar sexualmente de mim. Enquanto eu era criança, vendia balas nas estações de trem. Eu comecei a me prostituir aos 14 anos pelas ruas de São Paulo”, conta Leilande.
Abusos físicos e psicológicos nos dois casamentos
Sobre seus relacionamentos, Leilande conta: “aos 16 anos, engravidei de um cliente e nos casamos. Ele me batia muito e colocou uma arma na minha cabeça um dia depois do nascimento da minha filha."

Leilande sofreu violência doméstica do marido e levou o caso para a justiça australiana. Credit: Dominic Lipinski/PA Wire
Prostituição na Austrália
“Eu vim para a Austrália querendo uma vida melhor para mim e para as minhas duas filhas. Mas chegando aqui, o meu segundo marido começou a me obrigar a ter relações sexuais com outras pessoas em troca de dinheiro."
Vim para a Austrália querendo uma vida melhor para mim e minhas filhas, mas meu marido me obrigou a ter relações sexuais com outros em troca de dinheiro.Leilande Santos Walker
"Depois de muitos abusos, o caso foi resolvido judicialmente na corte australiana - ele ficou preso por um tempo, mas já foi solto. Atualmente há uma ordem judicial para que ele não chegue perto de mim e nem das minhas filhas”, explica Leilande.
Jornada dupla de trabalho
Leilande trabalha durante a semana como cuidadora de idosos e como garota de programa aos finais de semana. Ela diz que “é muito gratificante trabalhar como cuidadora de idosos, pois eu sinto que estou ajudando as pessoas. Depois que eu chego em casa (após um dia de trabalho), fico em paz comigo mesma.”

Leilande trabalha como cuidadora de idosos durante a semana e tem orgulho dessa profissão. Source: AAP
Leilande afirma que “tirando a parte financeira, não há vantagens em ser garota de programa. O dinheiro cai rápido na mão, mas não é fácil."
Tirando a parte financeira, não há vantagens em ser garota de programa. O dinheiro cai rápido na mão, mas não é fácil.Leilande Santos Walker
Ela ressalta que na Austrália os clientes têm mais respeito do que no Brasil. Mas diz: "eu já passei por diversas situações de abusos em ambos os países. As situações nos levam a usar drogas e fica difícil não usá-las como subterfúgio para enfrentar a realidade.”
Ajuda a mulheres que já passaram por situações semelhantes

Leilande já trabalhou em uma ONG que ajuda mulheres vítimas de tráfico sexual e pensa em escrever um livro contando a sua história. Source: Supplied
Leilande conta que tem a intenção de escrever um livro contando sua história para ajudar pessoas que passam ou já passaram por situações parecidas com a dela.
Humanização da profissão
O advogado e ex-Cônsul Honorário do Brasil em Queensland, Valmor Morais, falou à SBS em português sobre a humanização do trabalho sexual.
“É imprescindível que a Austrália siga o mesmo modelo da Nova Zelândia, onde tudo relacionado à prostituição é descriminalizado. Durante o período da pandemia da COVID-19, os profissionais do sexo receberam benefícios previdenciários, seguro desemprego - igual qualquer outro trabalhador.”
Ele completa dizendo: “As pessoas podem perguntar ‘Mas você gostaria que a sua filha, irmã, ou alguém da sua família trabalhasse nessa indústria?’. Eu particularmente não gostaria por causa da complexidade da indústria."
"Mas se um parente meu escolhesse essa profissão, eu gostaria que tivesse todos os direitos e todas as proteções que existem em qualquer outra profissão. É esse cenário que a gente precisa ter no mundo, da humanização do profissional, seja qual tipo de trabalho ele exerça”.
Pesquisas sobre trabalhadores sexuais imigrantes na Austrália são limitadas. Uma pesquisa feita em Sydney sugere que imigrantes constituem uma proporção substancial de trabalhadores na indústria do sexo na Austrália, particularmente da Tailândia, China e Coreia do Sul. Saiba mais detalhes fazendo o download do estudo Migrant Sex Workers in Australia.
Cada estado e território australiano possui uma organização de trabalhadores do sexo onde é possível encontrar informações relevantes e suporte para profissionais da categoria. Clique aqui para ter acesso a este conteúdo disponibilizado pela Scarlet Alliance, Australian Sex Workers Association.
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