Transcrição
“Inicialmente pensei que fossem foguetes. Ninguém está à espera de uma situação destas em Bondi”.
Quem o diz é Josef Koscinski, uma das testemunhas do tiroteio em Bondi, o ataque armado mais mortífero na Austrália, em quase três décadas.
Os alegados dois responsáveis pelo atentado foram identificados pelo comissário da polícia de Nova Gales do Sul, Mal Lanyon, como sendo pai e filho. O primeiro-ministro confirma que o homem mais jovem era conhecido da ASIO, Australian Security Intelligence Organisation.
“O filho chamou pela primeira vez a atenção em outubro de 2019. Foi avaliado por estar associado a outras pessoas, mas acabou por concluir-se que não havia qualquer indicação de ameaça contínua, bem como que não havia o risco de vir a envolver-se em casos de violência.”
O comissário de Nova Gales do Sul revelou também um detalhe surpreendente sobre o agressor mais velho.
“O homem mais velho está morto. Foi-me dito que tinha uma licença de armas há cerca de dez anos.”
O comissário diz que o homem de 50 anos era membro de um clube de tiro e tinha seis armas registadas em seu nome.
“Recolhemos seis armas no local ontem, bem como na sequência do mandado de busca na morada de Campsie. As perícias às armas vão confirmar esta manhã que as seis armas estavam licenciadas em nome daquele homem e que foram usadas no ataque... em Bondi.”
As leis sobre armas de fogo são da responsabilidade dos estados e territórios na Austrália e funcionam ao abrigo de um quadro coordenado chamado Acordo Nacional sobre Armas de Fogo. Este foi introduzido em 1996, após o massacre de Port Arthur, com o intuito de regular quem pode ter uma arma e porquê.
O primeiro-ministro afirma que estas leis têm sido apontadas como um exemplo de sucesso no controlo de armas a nível mundial.
“É evidente que as leis sobre armas, introduzidas pelo governo de Howard, fizeram uma grande diferença na Austrália. São motivo de orgulho e foram aprovadas no parlamento com o apoio de vários partidos.”
Mas para alguns especialistas, a tragédia de Bondi veio mostrar que não há espaço para complacência, e que há muito por onde melhorar.
Em Nova Gales do Sul, os pedidos de licença de armas são tratados pelo Registo de Armas, que esteve sob forte escrutínio após um trágico homicídio-suicídio em 2018, quando um pai separado matou a tiro os seus filhos adolescentes.
“O inquérito apurou que John Edwards tinha um historial de violência doméstica e de agressões físicas e psicológicas contra as mulheres da sua vida, bem como contra os seus muitos filhos, ao longo de duas décadas. Contudo, aspetos cruciais do seu passado foram ocultados aos funcionários do registo que lhe concederam uma licença de armas em meados de 2017.”
Tim Quinn, da Gun Control Australia, refere que nem todas as alterações recomendadas após o inquérito ao caso Edwards foram implementadas, e teme que o próprio Acordo Nacional sobre Armas de Fogo tenha vindo a enfraquecer ao longo dos anos.
“Precisamos de aplicar todas as medidas possíveis. Mesmo depois do relatório do médico-legista no caso Edwards, continua muito por fazer. Precisamos de reformas na categorização. Continua a ser possível obter uma espingarda de repetição manual ou de alavanca na Categoria B, supostamente apenas para pessoas que vão caçar. Temos fabricantes e importadores a trazer cada vez mais armas de disparo rápido para o país, que inevitavelmente acabam nas mãos erradas… Estou chocado, horrorizado e profundamente desapontado com o ponto a que a Austrália chegou hoje, tendo em conta os fantásticos 30 anos desde Port Arthur.”
Maya Arguello é especialista em direito e criminologia na Universidade de Tecnologia de Swinburne.
Maya afirma que as revelações sobre os atiradores vão levantar questões, não só sobre como e por que motivo o pai recebeu a licença, mas também sobre se o historial do filho com a ASIO foi tido em conta.
“Uma das recomendações do inquérito Edwards foi precisamente alterar a forma como as armas são classificadas, o que tem impacto direto no registo. Se alguém quiser registar uma arma que se enquadra numa determinada categoria, tem de provar uma razão especial ou um motivo genuíno para possuir esse tipo de arma ou licença. A questão que se coloca é qual foi a razão especial ou o requisito no caso do indivíduo que cometeu o ataque em Bondi.”
Entretanto, as autoridades apelam à prudência enquanto a investigação ao tiroteio prossegue.
Mal Lanyon refere que o registo terá feito o seu melhor para realizar uma avaliação justa e rigorosa, e diz também ser demasiado cedo para concluir se houve falhas sistémicas antes da tragédia.
“Existe legislação que regula a atribuição de licenças de armas de fogo. O que disse até agora, e não irei mais longe nesta fase, é que havia muito pouco conhecimento sobre qualquer um destes homens por parte das autoridades. Foi determinado que a pessoa tinha direito a uma licença de armas, e tinha essa licença. A licença existia há vários anos, sem incidentes, e era regulada.”
Já Tim Quinn diz que nada disso altera o que aconteceu.
“O que sabemos é que tinham seis armas e entraram num espaço público a disparar. A necessidade de alguém ter seis armas é altamente discutível. Trata-se de espingardas de elevada potência e elevada cadência de tiro. Mesmo tendo em conta o que ainda não sabemos, há claramente muito que o governo pode fazer para melhorar a forma como avaliamos as pessoas, o que permitimos e em que condições.”
O permiê de Nova Gales do Sul, Chris Minns, afirma que irá apoiar alterações às leis sobre armas no estado.
“A resposta curta é sim. Estamos a analisar isso neste momento.”
Outros líderes estaduais indicaram também abertura para regras mais rigorosas, incluindo a primeira-ministra de Vitória, Jacinta Allan.
“Subscrevo o que foi dito. Creio que será necessário examinar o enquadramento legal.”
Numa sessão urgente do Gabinete Nacional Foram foram discutidas leis mais rigorosas, e o primeiro-ministro sinalizou estar disposto a liderar uma agenda de mudanças.
“Incluindo limites ao número de armas que podem ser usadas ou licenciadas por indivíduo. Revisões periódicas das licenças. As circunstâncias das pessoas podem mudar. As pessoas podem ser radicalizadas ao longo do tempo. As licenças não devem ser vitalícias. E, claro, garantir que existem os devidos mecanismos de controlo.”
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