Beatriz Ryder, ou Be Ryder, como é conhecida internacionalmente, trabalha como fotógrafa da World Surf League desde 2022 e fotografou os Jogos Olímpicos em 2024 no Tahiti. Beatriz trabalha regularmente com lendas do surf, como Kelly Slater e Stephanie Gilmore, mas também com marcas de renome como Ripcurl, Roxy, Quiksilver, e Billabong, entre tantas outras.
As conquistas desta jovem empreendedora e inconformada vão muito além do que acabo de dizer, mas nada como ouvir a própria a contar tudo sobre o que é isto de ser fotógrafa de surf.
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Beatriz é portuguesa, mas vive na Austrália desde 2019. © Matt Dunbar
Assim que acabei a faculdade, comecei a juntar tudo o que era preciso para me mudar para a Austrália. Era para ser só um ano ou dois. Já lá vão sete e é cada vez melhor.Beatriz Ryder
Como é que a fotografia surge na tua vida?
Desde pequenina, porque o meu pai tirava fotografias e era a atividade que eu fazia com ele. Íamos imenso, cada um com a sua máquina, tirávamos as fotografias, depois voltávamos para casa, editávamos e fazíamos até o upload num site de fotografia português. Mais tarde, ele ofereceu-me uma máquina analógica. Eu acho que tinha, se calhar, 16 ou 17 anos, e adorei. Aí comecei um bocado a tirar mais fotografias, a ter os meus primeiros trabalhos. Fui assistente de fotografia casamentos. Fiz isso durante três anos. Sinceramente não gostava muito, mas foi uma boa iniciação. Depois, mesmo antes de vir aqui para a Austrália, tive a minha primeira photoshoot para uma marca de surf, com surfistas que conhecia, mas nada sério. Percebi aí que, se queria mesmo seguir isso, tinha se calhar de lutar um bocado mais e ir à procura das oportunidades, que em Portugal, pelo menos na altura, não havia muito.
E quando começa a tua relação com o surf?
Vi um filme de surf que adorei e pensei: é mesmo isto que eu quero fazer. Mas pronto, cresci um bocado numa família conservadora e queria fazer o que os meus pais queriam que eu fizesse, no fundo. Por isso, estudei dentária. Não estava a gostar e já sabia que não ia gostar, mas acabei. Fiz o que tinha de fazer enquanto filha.
Que filme foi esse que viste?
É um filme filmado pelo Morgan Maassen e a Frankie Harrer é surfista. Foi no Tahiti. Isto foi há mais de 10 anos, talvez. Até me lembro que comecei a filmar com a minha GoPro dentro de água e mandei, por acaso, um vídeo que fiz a esse fotógrafo e videógrafo. Ele respondeu e eu fiquei toda contente. Hoje em dia, eu fiz um filme sobre a minha história e foi ele que filmou no Tahiti. Portanto, foi um full circle moment e foi muito fixe.
O que é que te atraiu no filme? Na altura já surfavas?
Eu comecei a namorar com o meu atual marido quando tinha 14, 15 anos, e ele surfava. E, no início, eu passava um bocado do tempo na praia a olhar. E pensei, bem, eu das duas uma, ou começo a surfar, ou a tirar fotografias, porque isto de estar aqui na praia à seca não vale de nada. Adoro ver surf, mas se calhar devia fazer alguma coisa com isto. Então comecei a tirar-lhe fotografias e também a surfar um pouco, mas não tinha imenso gosto em Portugal, porque a água é fria, mar pesado. Portanto, só comecei mais a surfar quando me mudei para aqui, para a Austrália. Mas a minha paixão pelo surf sempre esteve lá, não sei porquê. Nem cresci perto do mar, propriamente.
Mas o que é que te seduziu tanto nesta ideia de fotografares dentro de água?
O meu namorado ofereceu-me uma género de uma caixa estanque, que era tipo um envelope estanque de água, que pões a máquina lá dentro, qualquer máquina, e funciona como uma máquina de ir para dentro de água. E eu tive aquilo guardado durante um ano e nunca usei. E depois ele insistiu, e lá experimentei, e eu adorei a experiência.
© Matt Dunbar
Até hoje, a minha fotografia preferida foi nessa vez, a primeira que fotografei dentro de água. Adorei a sensação. Capturar uma coisa dinâmica, que é o mar, tentar encontrar momentos de calma e capturar isso, é incrível.Beatriz Ryder
Tu tens uma formação que não tem nada a ver com isto, não é? Dentária. Como é que fizeste este caminho pela fotografia de surf?
Eu sou muito teimosa e persistente. Isso, no fundo, acho que me ajudou um bocado na minha carreira. Eu decidi que queria fazer isto e fiz tudo o que estava ao meu alcance para conseguir. Ia para dentro da água de manhã, à tarde, todos os dias. Trabalhava no meio do dia, mas de manhã e à tarde ia sempre para dentro de água, quando mudei para cá, para a Austrália. Foi um bocado aprender com os erros. Ver muito o trabalho de outras pessoas, perceber o que é que era o meu estilo, o que é que eu queria fazer, porque isto da indústria de fotografia do surf pode dar certo, mas é difícil, não é? Porque é uma indústria pequena, não há imenso dinheiro, imenso trabalho, por isso podia dar certo ou não.
O Covid-19 acabou por ser salvador no teu caso, porque foi aí que acabaste por ter a oportunidade de estar mais perto do mar, quando vivias numa caravana. Queres contar-nos sobre essa altura?
Sim, o Covid-19 foi sem dúvida... Eu odeio dizer isto e sei que a experiência em Portugal não foi a mesma. Claro que foi difícil estar longe da família, mas para mim foi um dos melhores, se calhar, dois anos da minha vida, porque pronto, o tempo era muito. Vivemos numa caravana mesmo na praia e tinha a oportunidade de estar dentro de água todos os dias. Aí aprendi muito, fiz muitos contactos e tive efetivamente tempo para perceber o que é que queria fazer e o que é que era o meu estilo, no fundo. A partir daí, foi sempre a subir.
E quando vais para o mar para fotografar qual é que é o processo na prática? Vais por ti mesma? Não tens qualquer suporte? Como é que isto se concretiza?
Eu vivo há sete anos em Byron Bay aqui na Austrália. É onde eu fotografo, maioritariamente numa onda super fácil e longa. Tens praticamente pé em todo o lado, por isso, é muito fácil. Vou por mim mesma. Foi assim que aprendi um bocado a desenrascar-me, não é?

© Lorenzo Urbina
Eu não cresci muito dentro de água e não tenho imenso à vontade, portanto, fazer disto trabalho é um grande desafio para mim, mas lá está, eu gosto de desafios e por isso estou cá para os enfrentar. Mas quanto mais experiência se tem dentro de água, mais à vontade se está, e eu não ter tido essa experiência ao crescer, sou confrontada às vezes por situações em trabalhos que são um bocado assustadoras, mas é passar à frente, e tentar e tentar superá-las com calma.
Só para visualizarmos, qual é a tua altura?
Eu tenho 1,60m.
Quando estás na água, és tu, um fato de surf, barbatanas e a máquina?
Sim, e a máquina pesa à volta dos 4, 5kg.
Tu não tens medo dos tubarões?
Aqui na Austrália tenho, bastante. Eu cresci em Portugal, onde não há essa ideia nunca. Está-se no mar, à vontade. O único problema que temos é mesmo o frio. Aqui na Austrália é lindo, a água é quente, é maravilhoso, mas depois tens de estar sempre a pensar que pode estar ali mais algo que um ser vivo que não é propriamente teu amigo.
Credit: Joana Pereira
A World Surf League é a liga mundial de surf. Tem o circuito principal dos melhores surfistas do mundo, é a competição principal de surf que existe, talvez há 50 anos.
E como é que surgiu a oportunidade de trabalhares com eles, três anos depois de teres chegado à Austrália?
Olha, no fundo, foi mesmo por causa do Covid-19, porque nessa altura fiz um projeto com uma surfista de longboard, que é a Josie Prendergast. Criei um projeto a contar a história dela, como chegou onde chegou como atleta e surfista. E enviei para imensos media outlets, inclusive a WSL. Eles responderam-me de volta a agradecer o envio, e gostaram muito do meu trabalho. Passados uns meses, enviaram um outro e-mail a perguntar se eu estava interessada em fazer uma entrevista para fotografar um evento. Eu disse que sim, claro. Então tive a entrevista, fiz o meu primeiro evento e no final do primeiro dia do primeiro evento, gostaram imenso do meu trabalho e perguntaram-me se eu queria fazer o resto do tour nesse ano. E assim foi.
Portanto, foi um ano em cheio, e hoje continuas a trabalhar com eles, certo?
Sim, já é a quarta season e para o ano há-de haver mais.
Podemos dizer que nos últimos anos deste uma volta muito grande à tua vida, no melhor dos sentidos. O que é que mais te surpreende neste percurso?
É mesmo incrível acordar todos os dias e ter mesmo vontade de fazer mais e melhor. Tudo o que fiz até agora é incrível, mas não é suficiente. Tem sido uma curva de aprendizagem enorme e só quero atingir mais e fazer mais e melhor.
Não quero ser só mais uma na indústria. Quero abrir caminho e oportunidades para outras pessoas que, se calhar, como eu, estudaram dentária e querem fazer outra coisa - para que possam inspirar-se e mudar de vida.Beatriz Ryder
Tens algum conselho a dar a alguém que, como tu, há uns anos, sentia que estava a viver a vida certa para os outros, mas errada para si?
Quando estava em Portugal, olhava à minha volta e não queria nada a vida de ninguém que eu conhecia. Nada me despertava interessava interesse, sentia sempre que não me inseria em nenhuma indústria. No fundo, vim para cá à procura disso e encontrei. Acho que foi a melhor coisa da minha vida. No início, os meus pais e amigos não percebiam muito bem o que é que eu estava aqui a fazer, mas cada vez que eu consigo conquistar qualquer coisa, eles percebem e não podiam ficar mais felizes.
Quando dizes que não te identificavas com a vida das pessoas, a que estilo de vida te referes?
Trabalhos das 9h às 5h. Não sei, é horrível dizer isto, mas é só ser mais um dia e não se ter muita paixão pela vida. Não se ter grandes objetivos e sonhos para concretizar. Sentia imenso que em Portugal é tipo: “um dia quero fazer isto, ou um dia gostava disto”, mas depois nunca ninguém faz nada. E sempre que há alguém a fazer uma coisa um bocadinho diferente, as pessoas parece que não percebem. Há falta de motivação em Portugal, eu acho.

© Lorenzo Urbina
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