Este é um tópico extensivamente debatido em fóruns de internet, como o Reddit.
É fácil achar perguntas do tipo "Stealthing já aconteceu com você?", ou "Não contar a ela que a camisinha saiu é stealthing?". Ou então "Como faço para evitar que homens tentem transar sem camisinha?".
Stealthing é a remoção não consensual da camisinha durante o sexo, ou a não utilização do preservativo sem consentimento do parceiro.
Stealthing é crime.
Nos últimos anos, alterações na lei fizeram o stealthing agora ser considerado uma agressão sexual, ou até estupro na Austrália.
Brianna Chesser é professora associada de criminologia na Universidade RMIT.
"Nos últimos cinco anos, houve um grande esforço na Austrália para criminalizar o stealthing. O Território da Capital Australiana (ACT) foi a primeira jurisdição a criminalizar; e depois Victoria, Queensland, Nova Gales do Sul e Austrália do Sul seguiram o exemplo. Na verdade, o único que ainda aguardamos é o Território do Norte."
Chesser afirma que este é um crime que afeta tanto homens quanto mulheres, heterossexuais ou homossexuais, com profissionais do sexo em particular mais vulneráveis a riscos.
Em Camberra no início deste ano, um homem foi considerado culpado de estupro pela Suprema Corte do ACT, após remover secretamente o preservativo durante um encontro com uma profissional do sexo.
Ele foi condenado a dois anos de prisão, e outro caso semelhante está atualmente em andamento nos tribunais de Nova Gales do Sul.
Chesser afirma que é difícil saber exatamente quantas pessoas foram acusadas de agressão sexual ou estupro como resultado direto de stealthing.
"Isso não é relatado especificamente nas estatísticas criminais. É incorporado aos crimes de agressão sexual. E o que estamos descobrindo é que o stealthing costuma ser um fator agravante e não costuma estar sozinho no conjunto de acusações de crimes sexuais contra os perpetradores. Portanto, é realmente difícil rastrear o sucesso da criminalização."
O que torna o stealthing ainda mais complicado é que ele ocorre depois que o ato sexual foi consentido.
Porém, consentir para transar não implica automaticamente em consentimento para sexo sem preservativo.
Também há ainda uma falta de conscientização geral sobre o que é a prática.
"Minha opinião honesta seria: não, eles podem não saber que isso é ilegal, mas tenho certeza de que o público em geral saberia que isso é antiético ou imoral", diz Vijay Ramanathan, professor sênior da Universidade de Sydney e também terapeuta e educador psicossexual credenciado.
Outras pesquisas corroboram a afirmação de Ramanathan de que ainda há uma falta geral de entendimento de que o stealthing agora é um crime na maior parte da Austrália.
Ele afirma que também é necessário mais educação a respeito.
"Vamos analisar na prática por que os homens removem os preservativos. Há uma série de razões. Uma delas é que, de alguma forma, eles programaram em suas mentes que ter um preservativo não vai dar o mesmo prazer que fazer sexo sem preservativo. Então, de alguma forma, eles já tinham esse pensamento em mente desde o início da relação."
Vijay Ramanathan também afirma que alguns homens acham que, quando uma parceira pede um preservativo, isso demonstra falta de confiança neles.
"Às vezes, eles acham que, sem preservativo, o contato direto pele a pele demonstra o mais alto nível de confiança na outra pessoa, ou demonstra que são confiáveis. Outra razão: eu conheço essa pessoa, ela não corre risco de pegar uma infecção, ou eu sei com certeza que não há risco de gravidez, portanto, não precisamos de preservativo. Mas qualquer decisão tomada no calor do momento nunca será uma decisão racional e sempre haverá consequências."
O Tinder, aplicativo de encontros, realizou sua própria pesquisa, chamada pela empresa de Estudo de Consentimento, em colaboração com o YouGov em 2023.
A pesquisa online envolveu pouco mais de 2.000 participantes com idades entre 18 e 40 anos que já haviam usado aplicativos de encontros em algum momento.
O levantamento mostrou que 25% dos usuários de aplicativos de namoro da Geração Z e Millennials acreditam erroneamente que o stealthing é o ato consensual de se tirar o preservativo, ou então não têm certeza sobre ser legal ou não.
Em setembro de 2024, o Tinder lançou um curso sobre consentimento na Austrália em colaboração com Chanel Contos, fundadora da Teach Us Consent e da Women's Services Network. Este último é um grupo nacional de serviços especializados em violência doméstica e familiar contra mulheres.
Chanel Contos afirma que há uma necessidade clara de aprimorar a educação geral sobre as nuances do consentimento.
"Stealthing é um crime excepcionalmente delicado porque, para que isso ocorra, você teria que consentir em fazer sexo com preservativo. E isso pode ser muito complicado para as vítimas, pois significa que você provavelmente tem sentimentos positivos em relação à pessoa que fez isso com você. Então todas as barreiras à denúncia que já existem em crimes de agressão sexual são ampliadas e intensificadas. Você pode não estar tão disposto a denunciar ou confrontar, e isso pode causar emoções confusas dado o tipo único de crime que este é.''
Quais são as consequências do stealthing?
Elas podem ser físicas e emocionais.
No lado físico, um risco maior de infecções sexualmente transmissíveis, e também gravidez não planejada.
Também pode haver uma sensação de trauma e confusão para algumas pessoas, pois muitas vezes há a percepção de que a agressão sexual está ligada somente à força física.
O médico Ramanathan explica porque é uma agressão.
"O trauma vem em diferentes tamanhos, formas, consequências e profundidades. O fato de alguém estar em uma situação sexual, o que deveria ser uma experiência mutuamente satisfatória, e descobrir que a outra pessoa removeu a camisinha no meio do caminho, é uma quebra de confiança. E esse sentimento tem consequências a longo prazo. Eles vão pensar com todas as outras pessoas com quem farão sexo; e isso se traduz em outros aspectos da vida. Isso realmente torna muito difícil para as pessoas que passaram por essa experiência confiar em alguém para qualquer coisa. É uma agressão."
Chanel Contos afirma que as mudanças legais facilitaram a incorporação da discussão sobre stealthing em recursos educacionais para jovens.
Sua organização, a Teach Us Consent, defendeu fortemente a criminalização do stealthing e também lançou uma campanha que ajudou a tornar obrigatória a educação sobre consentimento no país.
"Defendemos a criminalização do stealth há alguns anos, principalmente na Austrália do Sul e em Queensland, e tivemos sucesso nessa reforma como organização. Era uma forma muito normalizada de violência sexual. É um ato que pode ocorrer por direito e apatia, em vez de intenção de causar dano. Isso pode ter consequências devastadoras para a vítima. E, por isso, é algo muito comum e muito mal compreendido pela nossa sociedade como um ato de violência sexual. Por isso, sentimos que era muito importante usar a mudança na legislação como uma ferramenta para aumentar a conscientização."
O que diz a lei?
O Quadro de Políticas de Consentimento da Commonwealth – que se concentra na prevenção da violência sexual – estabelece os conceitos fundamentais de consentimento.
De acordo com a definição, só há consentimento para uma atividade sexual se todos os envolvidos:
- Concordarem entre si em participar
- Realmente quiserem participar, e não se sentirem obrigados a isso
- Verificarem entre si para garantir que todos queiram participar e demonstrarem ou disserem que querem participar de forma clara e aberta.
O consentimento sexual se refere a atividades sexuais, como:
- Relação sexual
- Tocar alguém de forma sexual
- Compartilhar imagens sexuais e atividades sexuais online.
Não importa se os envolvidos estão vivendo um relacionamento ou não. Deve haver consentimento para se envolver em atividade sexual livre de violência, pressão e controle.
Ainda segundo a definição adotada na Austrália, o consentimento sexual não é:
- Um problema a ser resolvido
- Uma transação ou um contrato, ou seja, uma troca em que alguém "dá" ou "recebe" consentimento.
Os ouvintes que buscam apoio podem ligar para 1800RESPECT ou para a Lifeline no número 13 11 14.
Agressão sexual pode ser denunciada à polícia; e também existem opções alternativas de denúncias em Nova Gales do Sul e Queensland.
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