As favelas voltam à periferia de Lisboa

Lisbon Protest Demands Halt To Evictions By Vida Justa Movement

Protesto de moradores do Talude (Lures): a demolição dramatizada de 50 barracas, sem alternativas para os moradores, é mais um capítulo na crise de moradia no país. (Photo by Luis Boza/NurPhoto via Getty Images) Source: NurPhoto / NurPhoto/NurPhoto via Getty Images

Um tribunal suspendeu as demolições de 50 barracos de lata considerando que, apesar de serem habitações ilegais, eram a casa possível para muitas famílias, muitas mães solteiras de São Tomé, de Cabo Verde, da Guiné e de Angola com muitas crianças.


O Talude da Estrada Militar tornou-se nas últimas semanas o bairro mais falado de Portugal. O nome talude refere-se à encosta muito inclinada onde esse bairro assenta. O bairro surge na antiga Estrada Militar, que acompanha uma parte da cintura exterior de Lisboa, vai de Caxias até Sacavém. O bairro está em Loures, um dos muito povoados municípios na fronteira norte de Lisboa.

Este Bairro do Talude entrou para o topo das notícias com as escavadoras da Câmara Municipal de Loures a demolirem cinquenta barracas de lata, que eram a habitação de centenas pessoas, sem alternativas viáveis, quase todas emigrantes africanas, de São Tomé, de Cabo Verde, da Guiné e de Angola.

Um tribunal suspendeu as demolições, considerando que, apesar de serem habitações ilegais, eram a casa possível para muitas famílias, muitas mães solteiras com muitas crianças.

Este caso chamou a atenção para a proliferação, nos arredores de Lisboa, de uma realidade que se considerava erradicada na viragem do século: a das "bairros de lata". Ressurge em consequência dos preços exorbitantes da habitação, no meio de uma onda de imigração em massa nos últimos cinco anos.

As políticas públicas no final dos anos 90 do século 20 levaram ao desaparecimento dos bairros de lata em Lisboa e arredores. A paisagem mudou. Onde estavam esses bairros de lata ficaram funcionais bairros sociais. Foi um bem conseguido por dirigentes como Jorge Sampaio, João Soares ou Isaltino de Morais, entre outros.

Mas o disparo dos números de novos residentes, alguns migrantes muito pobres, coincidindo com outros com grandes posses que, juntamente com a proliferação de alojamento para turistas, fez subir muito o preço das casas – talvez a crise mais séria neste momento em Portugal – voltaram, em lugares invisíveis para a maioria, esses bairros de lata. Sem água canalizada e com energia elétrica conseguida por baixadas clandestinas a partir de postos da rede pública.

São um abrigo para quem lá vive, mas por falta de estruturas, um problema de segurança. Como comentou um urbanista, se o fogo entra ali, explode tudo.

Nas últimas semanas, o Bairro do Talude tornou-se o foco de múltiplas batalhas, públicas ou silenciosas, que abalam a sociedade portuguesa. Reflete a luta cruel e muitas vezes impossível dos pobres para encontrarem habitação digna e acessível.

O Bairro do Talude está em Loures, município com gestão por um autarca do PS.

Com a pressão de eleições locais daqui a 2 meses, também de residentes legais que estão contra os ilegais, o autarca mandou arrazar as dezenas de casas de lata e madeira no Bairro do Talude. Há quem esteja a comentar que esta decisão mostra como a retórica de linha dura do partido de extrema-direita Chega, a segunda maior força parlamentar, foi adotada não só pelo Governo do conservador Luís Montenegro, mas também por dirigentes locais do Partido Socialista (PS), a que pertence o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão.

A demolição dramatizada de 50 barracas, sem alternativas para os moradores, colocou os holofotes das noticias sobre as barracas.

Está a ser lembrado o Plano Especial de Realojamento lançado em 1993 pelo governo PSD de Aníbal Cavaco Silva para erradicar 46.391 casas de lata nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa. Então, em colaboração com as câmaras municipais, foram construídas mais de 34.000 habitações públicas para 130.000 pessoas.

Agora, não há plano, não há alternativa.

"A Grande Lisboa ainda tem 13 favelas", foi a manchete do jornal Expresso em fevereiro de 2019, a propósito de um fenómeno que se acreditava ser residual. A 5 de junho deste ano o mesmo semanário Expresso voltava ao tema com a manchete "existem 27 bairros de lata na Grande Lisboa".

A lista inclui os concelhos de Loures, Almada, Amadora e Seixal.

O presidente socialista do município de Loures invoca que interveio para repor a legalidade, enquanto uma ala do Partido Socialista (PS) se indignou com "a demolição de princípios". O atual líder do PS, José Luís Carneiro, posicionou-se a meio caminho entre a compreensão do autarca e o apelo à sensibilidade social, uma vez que a principal polémica reside na falta de alternativas viáveis para os despejados. O primeiro-ministro Montenegro defendeu as medidas dissuasoras para conter os "bairros de lata", aliadas a soluções para os afetados e à regulação da imigração ilegal. O governo destaca ainda a sua política de construção de habitação pública com fundos europeus

Está a ser defendido um plano de emergência, e recurso no imediato a casas desocupadas como habitações de transição.

Por agora, Portugal confronta-se com esta emergência: a população sem-abrigo está a aumentar em Lisboa. Há quem diga que é por causa da chegada de migrantes, há quem contraponha que os migrantes garantem o que os locais não fazem, o problema está na aposta em habitação turística e de luxo, sem cuidar a habitação social.

É um problema sério em Lisboa, no Porto, também em outras cidades portuguesas.

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